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Reviver a utopia

Fotógrafo André Ryoki e o filósofo Pablo Ortelado são autores de 'Estamos Vencendo', um ensaio sobre protestos

Por Juliana Sayuri
Atualização:

Seattle foi uma faísca. Em 1999, milhares de manifestantes ocuparam as ruas contra o sistema capitalista, impedindo a rodada da OMC. Depois, o rastilho de pólvora se alastrou mundo afora: floresceu um forte movimento antiglobalização com manifestações em São Paulo, Quebec, Praga, Melbourne, Gênova, Davos, e a estreia do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, aglutinando anarquistas, intelectuais e políticos, no início dos anos 2000. Nesse contexto mergulharam o fotógrafo André Ryoki e o filósofo Pablo Ortellado, autores de Estamos Vencendo (Conrad, 2004). Parte do livro, as fotos deste ensaio foram feitas em São Paulo, entre 2000 e 2002. Historiador e atualmente roteirista, Ryoki conversou com o Aliás sobre a estética dos protestos de ontem e de hoje.O livro parte de Seattle, mas as fotos focam São Paulo. Há um link entre essas cidades?André Ryoki-Totalmente, pois era um movimento internacional, que queria questionar, com a alternativa "outro mundo é possível", a globalização que se firmava na época. Essas cidades passavam por contextos históricos similares, com o auge do neoliberalismo e das políticas de Estado mínimo, que tiveram impactos socioeconômicos não só na América Latina e no Brasil, mas nos países centrais do capitalismo. Quer dizer, as fotos poderiam simbolizar São Paulo ou qualquer outra metrópole?André Ryoki-Não diria isso, pois vejo uma diferença estética nas manifestações. Existia uma especificidade no Brasil: o caráter lúdico. A ideia era ocupar a cidade. A metrópole concretiza as relações entre o capital e o trabalho, de uma forma muito cruel. Os manifestantes queriam ir para a rua e inverter essa lógica. Afinal, a gente não quer apenas cruzar a cidade para ir trabalhar. A gente quer se divertir, fazer festa, vestir fantasia. "Brincar", mas não de uma maneira leviana - e sim para subverter a ordem urbana. Essa proposta lúdica era uma especificidade da época, não vejo isso nas manifestações atuais.E a repressão policial era muito diferente?André Ryoki-Era tão truculenta quanto é hoje. Isso não mudou muito - e lá se foram quase 15 anos. A questão é que as manifestações atuais conquistaram uma dimensão muito maior. Na época o pessoal apanhava pra caramba, com as mesmas balas de borracha, as mesmas bombas, o mesmo gás lacrimogêneo. Os fotógrafos apanhavam como apanham hoje. A diferença, crucial, é que a imprensa não noticiava isso. Anarquistas estão muito presentes nas fotos do livro. Agora vemos os Black Blocs...André Ryoki-As manifestações se ancoravam em movimentos horizontais, sem hierarquia nem líderes. Isto é, bebiam nas fontes do anarquismo. Eram organizações autônomas, em que cada um decide seu grau de envolvimento e seu papel. Os anarquistas não estão "voltando", porque nunca foram embora. Esses movimentos se contrapõem à organização partidária, que visa ao poder institucional. O alvo é outro: eles querem viver a própria utopia nas manifestações. Que perspectiva você pretendia oferecer?André Ryoki-Queria documentar o pessoal se apropriando da rua. E é impossível ser imparcial. A foto diz o que você pensa sobre a realidade. Nunca me preocupei em fazer essa diferenciação - eu fotógrafo versus eu ativista. O meu olhar tinha um lugar, um porquê.

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