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Saudades de 2014

Por Rogerio P. de Andrade
Atualização:

Análise publicada originalmente no Estadão Noite As informações recentes sobre o desempenho do PIB brasileiro apenas confirmaram o que já se imaginava: no ano de 2014, a economia ficou parada. Com isso, podemos afirmar agora que estamos no pior dos mundos, com inflação alta (e em elevação) e crescimento baixo ou próximo de zero (com expectativa de piora). É a famigerada estagflação. As perspectivas para o futuro também não são animadoras. Levará algum tempo, talvez até mais do que se imagina, até a inflação vir a ser controlada, mas a um custo elevadíssimo em termos de produto, renda e emprego. O ajuste recessivo do corrente ano vai nos deixar saudosos da performance do crescimento do ano que passou. Tal conjuntura desfavorável de estagflação decorreu principalmente da forte queda do investimento de 2013 para 2014. Contribuíram ainda para o desempenho pífio da demanda agregada do País, e portanto do PIB, uma forte desaceleração do consumo (em boa parte em razão da restrição e do encarecimento do crédito, no bojo da política monetária contracionista), a desaceleração dos gastos do governo (na onda da política fiscal contracionista) e a queda das exportações. Tudo somado, cada um destes fatores tem sua parcela de culpa, mas o crescimento econômico quase nulo é fruto, em grande medida, de um comportamento bastante adverso do investimento. A queda do investimento pode ser explicada, em parte, pela existência de alternativas mais seguras e imediatas de valorização do capital dos investidores, pois taxas de juros mais elevadas tornam mais atrativos os ativos financeiros cujos rendimentos se beneficiam desta elevação. Em uma conjuntura com estas peculiaridades, não parece ser racional investir em bens de capital fixo, que requerem um horizonte de tempo muito longo para começar a gerar algum retorno (sempre incerto), e que possuem um grau de iliquidez elevadíssimo. Há um custo alto em se desfazer de ativos altamente ilíquidos, como é o caso do investimento produtivo. Se os agentes que devem tomar decisões de investir preferem auferir um ganho quase certo, e em um prazo muito mais curto, além de, se for o caso, poderem se desfazer de suas posições rapidamente (neste caso, o grau de liquidez é elevado), os ativos financeiros parecem ser o destino mais promissor. Em outras palavras, taxas de juros elevadas são um desestímulo poderoso ao investimento produtivo. Além disso, o cálculo prospectivo das empresas torna-se muito mais difícil quanto mais incerta é a conjuntura. Hoje, na maioria das atividades da economia, vigoram crenças fortemente arraigadas de que a demanda futura pela respectiva produção será reduzida, isto é, a lucratividade esperada é baixa o suficiente para desestimular as decisões de investir em capital fixo. Paira no ar uma série de incertezas. Em um contexto como este, se há algo difícil de ser despertado são os famosos "animal spirits" dos empresários. Haja otimismo para vencer expectativas tão desfavoráveis. Ao que tudo indica, o ano de 2015 será pior do que o de 2014. Já está em curso um endurecimento do mix de políticas monetária e fiscal restritivas, o que fará a estagnação do ano passado virar uma recessão este ano. Isto deve continuar até a inflação (e as expectativas de inflação) ceder, o que torna, na atual situação de choques sucessivos de oferta sobre a economia, em particular o "realismo tarifário" e a "maxidesvalorização disfarçada", deveras difícil formular prognósticos confiáveis sobre quando se dará o ponto de inflexão da curva de inflação ou a recuperação da economia. Não se faz impunemente um realinhamento de preços relativos sem impactos tão significativos sobre a economia como um todo. Em particular, é ilusão (engodo?) pensar que são neutras as consequências sobre a estrutura de distribuição de renda e riqueza de um aumento do desemprego e de uma queda da renda real decorrentes do ajuste recessivo. Se é verdade que houve uma melhora distributiva de uns anos para cá, estamos perto de começar a vislumbrar que isso tudo está para se perder.* Rogerio P. de Andrade é bacharel em economia pela FACE/UFMG, doutor em economia pela Universidade de Londres (UCL), pós-doutorado pela Universidade Paris 13. Professor do IE/Unicamp e pesquisador do CNPq. Foi professor da FEA/USP e da PUC-SP

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