27 de julho de 2012 | 03h13
Cheguei em Tóquio e uma hora depois estava em São Paulo. Foi isso que senti, ainda no táxi. O calor de 27 graus, a arquitetura dos prédios, os elevados lembrando minhocões, o mármore marrom nas fachadas, os azulejos de vidrotil, o sol. Viajei mais no tempo do que no espaço, e logo me vi em 1992, quando via São Paulo pela primeira vez. Misto de cidade conhecida, brasileira, mas esquisita e nova ao mesmo tempo.
Havia um cheiro diferente, de perfume francês. Havia homens de sobretudo, com ar europeu. Havia o frio na Paulista ('aqui frio é de graça, no Recife custa uma fortuna!'). Havia pinturas amarelas nos cruzamentos, cardigãs cafonas de lã cor de vinho e, mais do que tudo, havia a Livraria Cultura com livros da Penguin ao alcance das mãos. São Paulo era o mundo, e o mundo seria minha casa.
As primeiras impressões da cidade foram se poluindo de intimidade. Aprendi depressa a chamá-la de realidade. Tudo ficou para trás, e o enigma das pistas ao redor do Obelisco foi decifrado. Eu sei São Paulo. Quando falo do teu jeito, eu falo meu.
Tóquio trouxe tudo à tona. Sacudiu uma poeira de lembranças que sufocou. Uma canção me veio à mente, lenta e triste. De Caetano, outra vez, surgida quando ele mesmo veio a Tóquio. Fala do tapete cor de poeira de dentro do avião. Da lembrança. Do branco de uma página, que agora venço. Desolação.
Passando por ruas próximas ao hotel, jurei ler na placa de sinalização: Higienópolis. Olhei novamente, sabendo tratar-se de engano. Roppongi Hills, estava escrito. Quase as mesmas letras: H, i, g, i, n, o, p, o, l, s. Meus olhos turvos cuidaram de preencher as que faltavam, e bagunçar a ordem.
Uma saudade vestida de lã cor de vinho, no frescor antigo de 1992, me deu São Paulo outra vez. Mais do que Nova York, São Paulo é aquele bairro de Tóquio. Chão caído da memória, onde servem minhas lágrimas.
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