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Tragédia em Mianmar pode aumentar pressão sobre militares

Ação de militares é criticada; adiamento de referendo sobre Constituição é incerto.

Por Kate McGeown
Atualização:

Até o sábado passado, a impressão entre os birmaneses era de que a situação deles não poderia ficar ainda pior. O país vinha afundando na pobreza e miséria, e, depois da repressão brutal aos protestos antigoverno em setembro passado, a perspectiva do fim do regime militar parecia ficar ainda mais remota. Mesmo o referendo sobre a criação da tão aguardada Constituição, convocado pela junta militar que governa o país, marcado para 10 de maio, não parecia animador, com o governo sendo acusado de intimidar eleitores e de preparar uma eleição fraudulenta. Mas ninguém poderia prever a catástrofe natural que aguardava os birmaneses. Segundo estimativas do governo, mais de 15 mil pessoas podem ter morrido no ciclone de sábado, que devastou o sul do país, inclusive a principal cidade de Mianmar, Yangun. E para um governo que está sendo pressionado pela comunidade internacional para introduzir reformas e justificar sua permanência no poder, a administração de uma tragédia dessa magnitude está sendo um teste crucial. "Parados olhando" As primeiras indicações são de que a junta militar não está conseguindo lidar com a situação. Os poucos civis que conseguiram sair do país desde o desastre falam em uma resposta lenta e inadequada do governo. "A USDA (braço civil da junta militar) apareceu nos lugares (afetados) mas eles de fato não estão fazendo coisa alguma - ficam apenas parados olhando", disse uma mulher à BBC. O ex-ministro sueco Jens Orback, que estava em Yangun no sábado, disse que as autoridades foram incapazes de oferecer ajuda "nas primeiras 10 ou 12 horas". "Não havia policiais ou militares nas ruas, apenas pessoas comuns, serrando árvores com serras manuais", disse ele. A TV estatal mostrou imagens de soldados trabalhando nas ruas, mas na verdade muitas regiões ainda estão à espera da ajuda dos militares, segundo Aung Zaw, editor de Irrawaddy, uma publicação editada por jornalistas birmaneses exilados na Tailândia. "Os soldados estão ajudando apenas as pessoas que vivem perto de instalações militares; já o centro de Yangun parece uma cidade-fantasma", disse ele. Ajuda internacional Mas agora que a dimensão da tragédia está ficando mais clara - as autoridades aumentaram suas estimativas de mortos de 350 para 15 mil na segunda-feira - o governo finalmente admitiu que não está conseguindo lidar sozinho com a situação. Na noite de segunda a ONU confirmou que Mianmar aceitou receber ajuda internacional. Várias agências de ajuda, como World Vision, Save the Children e o Programa de Alimentação da ONU, receberam permissão para acessar áreas afetadas e traçaram planos para enviar grandes quantidades de suprimentos ao país nos próximos dias. A comunidade internacional está de olho para ver se o governo imporá restrições à distribuição de ajuda. Os Estados de Karen, no leste, e Arakan, no sudoeste, que faz fronteira com o delta de Irrawaddy, estiveram fechados para estrangeiros por anos e foram descritos como áreas de grande pobreza e onde minorias étnicas seriam reprimidas. Certamente haverá intensa pressão internacional para permitir o envio de suprimentos a essas áreas o mais rápido possível. As atenções internacionais já estavam voltadas para o país, antes mesmo do ciclone. Após a repressão aos monges e outros manifestantes antigoverno em setembro, houve constantes pedidos feitos por governos ocidentais para que Mianmar seguisse o rumo da democracia. Adiamento de referendo Depois de resistir aos apelos por mudanças durante 15 anos, o general Than Shwe recentemente anunciou a criação de um projeto de Constituição, que seria submetido à aprovação popular através de um referendo, abrindo caminho para a realização de eleições em 2010. O referendo está marcado para 10 de maio e, para surpresa de analistas, o governo não deu sinais claros de que estaria disposto a adiar o pleito por causa do ciclone. Na verdade, um jornal estatal disse na segunda-feira que "todo o povo do país está ansiosamente aguardando" o referendo. Em algumas regiões, entretanto, o pleito foi adiado para o dia 24. Aung Naing Oo, um analista birmanês residente na Tailândia, disse que o governo provavelmente quer levar adiante o referendo porque um adiamento poderia dar à oposição mais tempo para levantar apoio à campanha pelo "não". Mas Aung Zaw, da revista Irrawaddy, acredita que manter a realização do pleito na data original pode ser uma má idéia para os militares, afinal, a população poderá ficar com raiva das autoridades por causa de sua resposta ao ciclone. A realidade é que, neste momento, as pessoas que vivem no sul do país, nas vastas áreas afetadas pela tragédia, provalmente não estão ligando para o referendo. Pelo menos por enquanto, apesar do desejo por mudanças políticas, há, para muitos, uma necessidade muito mais urgente - a de sobreviver. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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