Tratado sobre mulheres enfrenta oposição no Irã e nos EUA

Arqui-rivais estão entre países que não adotaram convenção que trata de direitos básicos.

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Por Kambiz Fattahi
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Pode causar surpresa o fato de que Irã e Estados Unidos têm uma posição semelhante em relação a um importante tratado sobre os direitos da mulher, dada a dificuldade de encontrar pontos de acordo entre os dois países nos últimos anos. Mas eis que os arqui-rivais fazem parte de um pequeno grupo, de oito países, que não aderiu à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw, na sigla em inglês). Os defensores da convenção a definem como uma carta internacional de direitos da mulher. "O tratado lida com os direitos mais básicos de mulheres e meninas, incluindo o acesso à assistência médica básica, retificações legais contra a violência e sobre o acesso à educação", diz a co-presidente do Grupo de Trabalho pela Ratificação do Cedaw, Sarah Albert. O Brasil está entre os 185 países que ratificaram o tratado, aprovado pela Assembléia-Geral da ONU em 1979. A Comissão sobre a Eliminação da Discriminação contra Mulheres se reúne na sede da ONU, em Nova York, até o dia 10 de agosto para avaliar relatórios sobre a situação da mulher em 15 países que participam da convenção. O Parlamento do Irã chegou a aprovar uma lei que apoiava a adesão à Cedaw durante o governo de Mohammad Khatami, antecessor do atual presidente, Mahmoud Ahmadinejad, mas a medida foi vetada pelo poderoso Conselho dos Guardiães. Para o órgão conservador composto de seis clérigos e seus juristas, a lei contradizia princípios islâmicos. Embora não tenha um Conselho dos Guardiães, os Estados Unidos têm um sistema político que pode levar a longos atrasos na implementação de tratados. O ex-presidente Jimmy Carter assinou a convenção em 1980, mas o Senado ainda deve ratificá-la para que tenha validade legal dentro do país. Em 1994, um grupo de senadores bloqueou a passagem da Cedaw e, apesar de uma nova tentativa de revivê-la em 2002, a convenção permanece empacada no Senado. Sarah Albert, do Grupo de Trabalho pela Ratificação da Cedaw, afirma que a oposição ao tratado nos Estados Unidos, única democracia ocidental que não o ratificou, é pequena, mas se faz presente. "A oposição gira em torno da questão da soberania. Os opositores argumentam que a Constituição americana seria usurpada se ratificássemos o tratado", diz Sarah. O argumento é expressado pela ativista do grupo Concerned Women for America, Janice Crouse, na página da entidade na internet. "É como o velho colonialismo. Isso certamente foi desacreditado na história, mas, nesse caso, você tem a ONU se valendo dos mesmos tipos de princípios e dizendo aos países: ''vocês têm de fazer as coisas do meu jeito, vocês têm de fazer as coisas como as nações ocidentais''", diz a ativista. Segundo o site da Concerned Women for America, Crouse foi uma das redatoras dos discursos do presidente George W. Bush durante o seu primeiro mandato. Já no Irã, a resistência à Cedaw é mais profunda. A advogada iraniana Mehrangiz Kar, de Harvard, especializada em direitos humanos, diz que o sistema legal do país é incompatível com os princípios do tratado. "O governo iraniano é baseado no Islã, e a Consitituição estabelece que as leis não podem contradizer a Sharia (lei islâmica). Dado que a Sharia não considera homens e mulheres iguais, aderir à Convenção seria problemático." Ainda assim, a maioria dos países islâmicos aderiu à Cedaw - mesmo a Arábia Saudita, cuja Constituição é o Corão e onde as mulheres não têm condições de igualdade com os homens, assinou e ratificou a convenção. É improvável que os atuais governos em Teerã e Washington ratifiquem a Cedaw. O governo Bush vem revisando o tratado há alguns anos e não tem o projeto de ratificação entre a lista de prioridades a ser enviada ao Senado. No Irã, a polícia tem prendido várias ativistas de direitos das mulheres e dispersado as manifestações que elas tentam organizar em defesa desses direitos. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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