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Um cartão de visitas nada apresentável

Por Paulo Godoy
Atualização:

Mesmo com a crise financeira, os aeroportos continuaram a funcionar em alta rotação. Se, de um lado, o transporte aéreo de cargas foi bastante prejudicado, fruto da queda da produção industrial e das exportações, a movimentação de passageiros no sistema aeroportuário brasileiro foi 15,9% maior em agosto, em comparação ao mesmo mês de 2008. No acumulado dos oito primeiros meses do ano, os terminais contabilizaram 5% a mais de passageiros. Nos últimos 12 meses, 2,2% a mais.Esse desempenho surpreende diante do que ocorreu no mundo no mesmo período, quando o fluxo de passageiros cresceu 0,1% em agosto, diminuiu 5,1% nos oito primeiros meses e caiu 5,1% no acumulado de 12 meses.Esse crescimento, bem-vindo em qualquer mercado, tem causado problemas aos passageiros que embarcam e desembarcam em aeroportos brasileiros, principalmente na área internacional. O atendimento em alguns dos mais movimentados terminais nos horários de pico está crítico. O Aeroporto Internacional Governador André Franco Montoro, em Guarulhos (SP), é um exemplo incomparável. Nas primeiras horas do dia, quando há acúmulo de chegada de voos internacionais, fica evidente que a capacidade de atendimento é incompatível. As filas na imigração, na alfândega e nas bagagens se alongam e exigem até duas horas de paciência dos usuários - um péssimo cartão de visitas para o turismo e para os negócios. Há relatos semelhantes para o Galeão (RJ) e inclusive para aeroportos recentemente reformados, como Salvador (BA) e Confins (MG).O sistema aeroportuário, que passou por grave crise entre 2006 e 2007, ainda enfrenta problemas e necessidade de pesados investimentos para melhorar quesitos como capacidade de pistas de pousos e decolagens, sistemas de controle e segurança de tráfego aéreo e condições nos terminais de passageiros. Os investimentos patinam por diversas razões, desde precariedade nos projetos de engenharia, falhas nos processos de licitação, burocracia e até descaso. Neste momento, de imediato, parece ser mais crítico melhorar a qualidade no atendimento e a capacidade dos terminais. Mesmo que sejam conhecidas as limitações físicas dessas áreas, uma gestão mais eficiente pode trazer algum alívio.Os aeroportos são uma das principais plataformas de negócios e investimentos dos países, imprescindíveis num mundo cada vez mais globalizado, em que os mercados regionais agora são planetários. Os usuários precisam ser tratados com mais segurança, qualidade e agilidade. A capacidade e o espaço físico precisam ser compatíveis com a demanda e as necessidades. As múltiplas responsabilidades e competências que funcionam nos aeroportos precisam ser gerenciadas de forma centralizada. Prêmios por excelência e multas por incompetência precisam começar a ser aplicados. Com essa visão, a solução exige ação em algumas frentes.Estrutura compatível - É urgente adequar a quantidade de guichês de atendimento ao atual fluxo de passageiros no desembarque internacional, principalmente nos horários de pico. É preciso ter mais máquinas e instrumentos em funcionamento, com recursos humanos em quantidade suficiente e bem treinados, numa mobilização especial para atender à quantidade de usuários. Isso pode diminuir imediatamente o sofrimento atual e preparar a estrutura operacional dos aeroportos para a movimentação extra entre dezembro e janeiro.Administração centralizada - As instituições públicas que operam nos aeroportos deveriam obedecer a um mesmo comando. Atualmente, sob gerência de ministérios distintos (Fazenda, Defesa, Saúde e Justiça), o atendimento funciona de acordo com regras e recursos próprios de cada um. Os usuários, que têm de percorrer todos esses guichês, sofrem com isso.Indicadores de qualidade - Tal qual em outros setores de infraestrutura, é crucial estabelecer indicadores para medir a qualidade dos serviços aeroportuários. As reclamações diárias de muitos passageiros precisam ser mensuradas para dar suporte às ações de correção.Novo modelo - Além da mensuração da qualidade, a sociedade ganharia muito se o setor aeroportuário começasse a funcionar sob as premissas do modelo de concessões, como já ocorre em outros setores da infraestrutura. Toda a prestação de serviço passaria a ser regida por contratos com empresas públicas ou privadas, com metas de investimento, obrigações e penalidades, e fiscalização técnica e independente de uma agência reguladora.Felizmente, para alguns desses pontos há avanços. Em breve, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) deve divulgar um conjunto de indicadores para aferir a qualidade dos serviços, o que será essencial para transformar em números o que hoje são apenas reclamações dos usuários. Paralelamente, o governo federal deve publicar um decreto com diretrizes para as concessões de aeroportos no Brasil, primeiro passo para um novo marco regulatório setorial.Mas, se essas medidas criam boas perspectivas para o médio prazo, a situação de alguns terminais de passageiros requer solução urgente, principalmente naqueles em que chega a maioria dos visitantes de negócio do Brasil. As horas perdidas em filas não significam somente desconforto e irritação, mas sobretudo uma brutal perda de competitividade da economia brasileira. Nessas condições, os aeroportos contrariam o esforço do governo e das empresas em promover a imagem positiva do Brasil no exterior. Para um país que recebeu a incumbência de realizar uma edição da Copa do Mundo e uma dos Jogos Olímpicos, esse é um cartão de visitas nada apresentável. Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), é integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)

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