Um cidadão acima de qualquer suspeita

Em Zeitoun, Dave Eggers detalha como um sírio-americano sobreviveu ao Katrina e à desastrosa ação do governo Bush

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Por Ubiratan Brasil
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Sim e não. Logicamente, estavam irritados com os sofrimentos a que foram submetidos, a ponto de entrarem com uma ação contra a prefeitura de New Orleans e também contra o governo federal - ambas, até agora, resultaram em nada. Mas o livro tornou-se um caminho para que contassem sua história e reclamassem sua identidade. Com isso, o receio de qualquer retaliação da cidade ou do governo se revelou equivocado. Na verdade, os Zeitoun receberam uma comenda municipal no ano passado. Você enfrentou muitos obstáculos para escrever o livro? Algum documento que se tornou inacessível?Foi muito difícil encontrar um dos policiais que prenderam Zeitoun. Levei um ano nessa busca e ainda contei com um investigador particular. Persisti porque era essencial ter seu ponto de vista. Também decidi visitar o Centro Correcional Elayn Hunt, mas não me permitiram fazer um tour como jornalista. Assim, eu me passei por um educador interessado em conseguir créditos para um estágio universitário. Pude passear pela penitenciária e notar como vivem os presos. Novamente, isso foi crucial pois descobri, por exemplo, que a prisão é limpa e funcional. O detalhe frustrante a partir das experiências de Zeitoun foi descobrir que algumas engrenagens da máquina da Justiça estão quebradas, ainda que outras funcionem.O que mais o irritou: a indiferença da administração Bush com as vítimas do Katrina ou a paranoia despertada pela ameaça de terrorismo?Ambas estavam intimamente ligadas. A obsessão da administração Bush pelo terrorismo limitou sua ação em New Orleans, além de incitar inúmeras decisões erradas. Quando a Fema (sigla em inglês para Agência Federal de Gestão de Emergências) foi incorporada pelo Departamento de Segurança Interna, por exemplo, aumentaram os erros e a ineficiência da responsabilidade sobre o Katrina. Quando um departamento inteiro foca apenas ataques terroristas, é possível que se esqueça como responder a um desastre natural.A administração Obama pôs um ponto final em abusos como esse?A Base de Guantánamo continua aberta e ainda há dezenas de homens presos que nem sabem por que foram processados. Em nossa coleção de livros Voz de Testemunhas, temos outro volume a ser lançado nos próximos meses chamado Jogos Patrióticos: Narrativas de Injustiças Pós 11 de Setembro, que inclui o depoimento de diversos americanos de origem árabe e muçulmana. Infelizmente, a maioria dos abusos sofridos por esses cidadãos aconteceu durante a administração Obama.O jornalismo narrativo americano tem confiado muito na ficção e se inspirado no arco narrativo clássico. De que forma você acredita que essa narrativa literária é modificada quando chega ao jornalismo?(A escritora e jornalista) Joan Didion disse, certa vez: "Contamos nossas histórias a fim de sobreviver". Concordo plenamente. A tarefa de qualquer escritor é a de explicar as coisas de uma maneira facilmente compreendida e de uma forma em que possamos nos sentir iluminados. E um dos melhores caminhos para se entender um fato complexo, como o Katrina, é por meio dos olhos de uma pessoa ou de uma família. Não creio que eu vá escrever bem uma história abrangente de um momento histórico, mas acredito que, dentro de um escopo limitado, concentrado em indivíduos cujas trajetórias iluminam a narrativa, é possível chegar ao essencial, que é desbloquear o potencial humano para se compreender, criar empatia e incentivar a ação.

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