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Um encontro especial

Antigos integrantes da comunidade japonesa se reúnem todos os domingos há pelo menos quatro décadas

Por Liege Albuquerque
Atualização:

Os "Tesouros do Sol", como a comunidade japonesa chama seus mais antigos integrantes, fazem questão de se reunir todos os domingos. O local escolhido é um espaço com mirante, na frente do primeiro cartão-postal que viram ao chegar a Manaus de navio, há pelo menos quatro décadas: o encontro das águas do barrento Solimões com o Rio Negro.   Veja também: - Comunidade tem 6 mil pessoas - Capital japonês chegou primeiro   "Não esperávamos um rio com água tão escura formando o Amazonas", conta Minoru Saito, de 80 anos, nascido na fria Okaido, no norte do Japão. Como ele, outros imigrantes guardam na memória histórias de uma cidade bem diferente, tomada pela densa mata e repleta de desafios. Basta encontrá-los no mirante para ouvir as revelações sobre aquele tempo.   Saito desembarcou em Manaus há 40 anos, depois de uma breve temporada em Campinas, no Interior Paulista. Trabalhou na agricultura assim que chegou, mas logo mudou de área. "Fiquei mais tempo na Moto Honda, cuidando do restaurante japonês." Mesmo aposentado, ele segue à frente do estabelecimento, com os filhos.   A ex-agricultora Some Kakimoto, de 72 anos, lembra de outro aspecto que causou estranhamento. "Ficamos assustados com a selva. Era preciso desmatar tudo com facões", diz.   Fuiko Ikuno, de 83, conta que cortou muito as mãos desmatando o terreno para plantar. "Tudo valeu a pena, não viemos para cá com medo de trabalho." Apesar do otimismo, a história de Fuiko é marcada por uma grande tristeza.   Dois dos seus seis filhos - justamente os que nasceram no Amazonas - morreram ainda crianças. Foi uma morte tão trágica quanto típica, infelizmente, naquela região: a canoa virou. "Eles só tinham 2 e 4 anos e não sabiam nadar." Os demais filhos constituíram família e, hoje, Fuiko se orgulha dos mais de 20 netos.   Shigueno Kawashima, de 80, veio de Nagasaki, uma terra mais quente. "Nunca estranhei o calor, só a selva." Sem intimidade com a agricultura, já que trabalhava em minas de carvão, ela sofreu para se acostumar com os mosquitos, conhecidos na região como carapanãs. "Era duro, mas ninguém veio obrigado", afirma. "Tomamos amor por esta terra tão fértil."   A mais velha integrante do grupo Tesouros do Sol, Setsuko Otsuka, de 86, é a que menos fala o português. "Me comunico com sorrisos e gestos." Setsuko também passou por momentos difíceis em Manaus, onde chegou em 1959, com o marido e quatro filhos pequenos. Três anos depois de se instalar, ela ficou viúva. "Mas a comunidade daqui é muito unida", conta. "Todos me ajudaram."   Foi esse sentimento de colônia, segundo ela, que fez todos sobreviverem e se sentirem tão em casa a ponto de dizer que não trocariam a selva por lugar nenhum no mundo.

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