Valorização do euro coloca Europa em alerta

Ministros da União Europeia fazem reunião de emergência sobre o câmbio

PUBLICIDADE

Por Jamil Chade
Atualização:

Há dez anos, quando o euro foi criado, muitos apostavam que a nova moeda poderia um dia fazer frente ao dólar. Hoje, praticamente todos os governos europeus temem que o feitiço possa estar se virando contra o feiticeiro. Nos últimos meses, a desvalorização do dólar pôs em perigo a recuperação econômica do Velho Continente e sua habilidade de sair da pior crise desde a 2ª Guerra. Mas a queda do dólar não é apenas uma questão pontual. Um estudo da Universidade Harvard indica que o euro poderia superar o dólar como moeda de referência em 15 anos, acabando com mais de 75 anos de hegemonia americana. O euro atingiu na semana passada o valor mais alto nos últimos 14 meses e quase bateu o recorde de 1 para cada US$ 1,60. Os ministros de Finanças da UE foram obrigados a convocar uma reunião de emergência para avaliar o que fazer. O primeiro sinal da desvalorização do dólar está aparecendo nas balanças comerciais. No início do ano, o problema era a falta de comprador. Com um mercado em recessão e consumidores assustados, as vendas chegaram a cair mais de 20%. A recessão deu sinais de perder força a partir de maio e as bolsas estão 75% acima das taxas mais negativas no pior momento da crise. Os bancos também voltaram a lucrar. Mas aí o problema passou a ser outro: o dólar. Já em agosto, o desempenho de vários países europeus indicava que a valorização do euro terá um efeito profundo para os setores que dependem do mercado externo. Entre julho e agosto, as exportações irlandesas, por exemplo, caíram 6,4%. O superávit tradicional que o país vinha mantendo nos últimos dez anos começou também a desaparecer. Grande parte das exportações irlandesas vai para o mercado americano. Com a desvalorização, os produtos europeus subiram de preço. Com a queda nas exportações, os prognósticos de dias melhores para a economia europeia tiveram de ser refeitos, já que as vendas externas são parte do modelo de crescimento europeu. França e Alemanha saíram da recessão. Mas devem patinar por alguns meses antes de mostrar crescimento real. Com o dólar desvalorizado, o perigo é de que essa fase de derrapagens seja ainda maior. Vários países asiáticos ainda têm suas moedas fixadas ao dólar, o que põe a Europa em meio a um problema. O resultado de uma queda da moeda americana também afeta a competitividade das exportações europeias para a Ásia, região que mais cresce. Desde a eclosão da crise global, a moeda chinesa praticamente segue o dólar. Membros da Comissão Europeia informaram ao Estado que, no fim do ano, uma missão de alto escalão viajará à Ásia para debater a questão cambial com as autoridades chinesas e de outros importantes mercados. Na Organização Mundial do Comércio (OMC), economistas já apontam que a desvalorização do dólar e os problemas para as exportações dos europeus fará com que a China supere a Alemanha em exportações. Desde 2003 a Alemanha mantinha a liderança no ranking dos maiores exportadores do planeta. Nas capitais europeias, políticos passaram a atacar aqueles que seriam os responsáveis pela desvalorização do dólar: o governo americano. "Os Estados Unidos inundaram o mercado de dólares. A situação pode fugir do controle", afirmou Henri Guaino, conselheiro especial da presidência francesa para temas econômicos. Durante a semana, houve várias declarações de autoridades europeias apelando por uma estabilidade no mercado de câmbio. "Temos um interesse claro em um sistema de moedas estável. A volatilidade e movimentos desordenados são ruins para a estabilidade financeira e econômica", disse Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu. Ele sabe que precisará de estabilidade para que a Europa volta a crescer. Para 2010, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um crescimento de, no máximo, 0,3% no PIB. Já os americanos insistem em manter um dólar forte e dizem que a desvalorização não é uma política deliberada de redução do déficit, como acusam os europeus.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.