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Vendo o monte crescer

Por Fernando Reinach
Atualização:

Um dia me disseram que a Cordilheira dos Andes se formou por causa de um choque entre duas placas tectônicas. Logo imaginei um índio sentado em algum lugar do Pantanal, observando o pôr do Sol. De repente, a terra tremeu e surgiu uma enorme cordilheira bem na sua frente.A professora teve dificuldade em me convencer que a formação dos Andes havia sido um processo lento, que teria ocorrido ao longo de milhões de anos e não em um final de tarde. Além disso, argumentou ela, o levantamento dos Andes teria ocorrido muito antes do surgimento do homem na Terra. Com a imaginação subjugada, acabei me convencendo de que nunca veria uma montanha surgir. Imagine minha surpresa quando descobri que um grupo de cientistas acompanha, mês a mês, o crescimento de uma montanha no sul da Bolívia.No meio dos Andes há um grande planalto. No sul desse planalto, próximo da tríplice fronteiras de Chile, Argentina e Bolívia, está o vulcão Uturuncu, inativo há 270 mil anos. A região desse vulcão está sobre uma espécie de mar de magma, o maior e o mais próximo da superfície desses mares de magma, encontrados sob muitas cordilheiras. Como todo esse magma está a uma profundidade de somente 18 quilômetros (lembre que um avião voa a 11 quilômetros do solo), essa região vem sendo monitorada por geólogos interessados em vulcões.Nos últimos 19 anos, três satélites passam todos os meses sobre a região. Usando uma espécie de radar, os satélites medem a distância entre diferentes pontos do solo e seus sensores. Observou-se ao longo dos anos que essa distância vem diminuindo mês a mês, indicando que a montanha está crescendo. No ponto de maior velocidade de crescimento, a montanha sobe 10 milímetros por ano (1 metro por século). Usando os dados desses satélites, pode-se sobrepor ao mapa da região o mapa de crescimento da montanha. A região que sobe é um círculo de 50 km de raio. Se você caminhar 25 km, do centro para a periferia deste circulo, você estará sobre uma área onde o solo ainda sobe a uma velocidade de 6 milímetros por ano. O mais interessante é que em volta do pico que cresce os cientistas detectaram uma região, na forma de um anel que circunda o pico, que está afundando a uma velocidade de até 2 milímetros por ano. Ou seja, forma-se na região uma montanha que se parece com um chapéu mexicano (sombrero), onde o pico é cercado por um vale mais baixo que o planalto que circunda a região.Bolha de magma. O que provocaria essa elevação abrupta? Cientistas creem que se formou uma espécie de bolha de magma de menor densidade, que lentamente se desloca para cima, empurrando a superfície da montanha. Essas bolhas se chamam diapir. Os cientistas acreditam que esse diapir teria o formato de um ovo de 13 km de altura e 10 km de diâmetro.Ainda faltam 19km para essa bolha chegar à superfície. E é difícil saber se ela vai parar de se mover, esfriar e solidificar ou se transformar em um vulcão enorme. Mesmo que ela chegue à superfície, isso não vai ocorrer tão cedo - afinal, percorrer 19 quilômetros a 1 metro por século leva pelo menos 19 mil séculos ou 1,9 milhão de anos. Como o homem surgiu no planeta faz aproximadamente 1 milhão de anos e nos últimos 150 anos vem se dedicando a destruir o meio ambiente do qual depende, é pouco provável que nossa espécie ainda exista quando essa bolha de magma atingir a superfície.Minha professora tinha razão: é impossível observarmos fenômenos tão lentos com nossos cinco sentidos durante nossa curta vida. Mas as tecnologias criadas por nosso cérebro tornaram possível medirmos esses fenômenos extremamente lentos.O fato de atualmente aceitarmos que existem na natureza fenômenos muito lentos como o movimento dos continentes e a evolução dos seres vivos é uma das grandes contribuições da ciência para descobrirmos nosso lugar no universo. Talvez essa compreensão venha a tornar o Homo sapiens mais humilde, colaborando para nos convencer de que não somos o centro do universo, mas uma pequena anomalia transitória no grande e longo esquema da natureza.* BIÓLOGOMAIS INFORMAÇÕES: SOMBRERO UPLIFT ABOVE THE ALTIPLANO-PUMA MAGMA BODY: EVIDENCE , OF A BALLOONING MID-CRUSTAL DIAPIR. SCIENCE,  VOL. 338,  PÁG. 250,  2012

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