Mesmo com a crise política o mercado continua apostando no recuo da inflação – um comportamento estranho, aparentemente, quando nem se sabe quem estará na Presidência da República no fim do ano. O aumento de preços previsto para 2016 passou de 7,46% para 7,14% em quatro semanas, segundo o boletim Focus distribuído ontem pelo Banco Central (BC). A projeção para 2017, estacionada em 6% durante as três semanas anteriores, diminuiu para 5,95%. A expectativa de inflação menor está baseada principalmente numa convicção: com ou sem impedimento da presidente Dilma Rousseff, o País continuará em recessão nos próximos meses, com desemprego elevado, rendimento familiar em queda e consumidores amedrontados.
A inflação em queda refletirá, portanto, o mau estado da economia. Se as apostas estiverem certas, o Brasil completará em dezembro dois anos e alguns meses de contração econômica. Para 2016, o mercado estima um Produto Interno Bruto (PIB) 3,77% menor que o do ano passado. Para 2017, a previsão é de crescimento de 0,30%, igual à da semana anterior e 0,20 ponto menor que a de um mês atrás. Se houver alguma reação dos negócios, será muito lenta e muito distante da necessária para a retomada do nível de 2013-2014.
Se as projeções da pesquisa Focus estiverem corretas, o PIB terá diminuído 7,43% em dois anos, a partir da base de 2014. Em 2015, o valor da produção equivaleu a 96,2% da contabilizada no ano anterior, por causa do recuo de 3,8%. A queda de 2016 terá ocorrido a partir dessa base já rebaixada. Em 2014, o resultado oficial foi um crescimento de 0,1%, praticamente nulo, mas esse número apenas mascarou, estatisticamente, a recessão já iniciada. Se se confirmar a expansão de 0,30% prevista para 2017, o produto ainda será 7,16% inferior ao de três anos antes.
Os especialistas apontam uma severa redução do potencial de crescimento da economia brasileira. O conceito de produto potencial indica o nível de atividade sustentável sem pressões inflacionárias e sem desajuste importante das contas externas. Esse potencial é provavelmente compatível com uma expansão econômica de 1% ao ano ou pouco menos que isso. Em outras palavras: a retomada até poderá ser inicialmente forte, porque o ponto de partida será muito baixo, mas o País será incapaz de manter esse ritmo sem trombar, em pouco tempo, com problemas muito sérios.
Não é difícil entender essa preocupação. Apesar da recessão funda e prolongada, a inflação continuará neste ano acima de 6,5%, limite de tolerância fixado pelo Conselho Monetário Nacional. Em 2017, a alta de preços deverá ficar abaixo desse teto, mas ainda será bem superior à meta oficial (4,5%). Nem a forte retração dos negócios será suficiente, portanto, para compensar as principais fontes estruturais de pressão inflacionária. Não há, portanto, expectativa de rápida estabilização das contas públicas.
O cenário é mais promissor, à primeira vista, no caso das contas externas. Em um mês o superávit comercial previsto pelos analistas do mercado passou de US$ 41,20 bilhões para US$ 45 bilhões, mas também essa melhora está associada à recessão. O aumento do saldo continuará dependendo principalmente da redução das importações. A contração da demanda interna será ainda o mais importante fator de mudança. O dólar mais valorizado poderá conter os gastos com produtos estrangeiros e estimular as exportações, mas a recuperação das vendas ao exterior tem sido e continuará sendo vagarosa, por causa dos problemas de competitividade.
Com ou sem o impedimento da presidente, problemas graves permanecerão por longo tempo. Mas a expectativa de mudança do governo tem claramente afetado as apostas. Ontem, enquanto se esperava a votação do relatório do processo de impeachment, as ações subiram e o dólar caiu. De maneira menos óbvia, essa expectativa também parece influenciar as projeções do boletim Focus. Com a certeza de permanência do governo, como ficariam as estimativas para 2017?