Assustador para uns, incrível para outros, o fato foi testemunhado por dezenas de pessoas: o ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, comparou um incêndio acidental, como o da catedral de Notre Dame, com a devastação intencional da Amazônia, promovida por criminosos, tolerada pelas autoridades e estimulada pela política antiambiental do presidente da República. Em discurso a empresários, em São Paulo, ele mencionou sua reação quando um ministro francês, segundo ele, acusou o governo brasileiro de queimar a floresta. Sua resposta: “E vocês, que não conseguem proteger um quarteirão, deixaram queimar Notre Dame?”.
Mas o despautério foi muito maior. Depois de colocar uma catedral no mesmo patamar da Floresta Amazônica, o próprio Guedes informou que disse ao tal ministro francês, a respeito da evolução dos vínculos comerciais do Brasil com a França e com a China, que a França está ficando irrelevante para o Brasil. Em seguida, fez uma ameaça, no dialeto característico do bolsonarismo: “É melhor vocês nos tratarem bem, porque, se não, vamos ligar o f...-se para vocês”.
Com essa fala, o ministro conseguiu cometer um erro de fato e, ao mesmo tempo, exibir uma espantosa incapacidade de avaliar os interesses do País. O erro de fato é evidente: a França é uma parceira muito importante, individualmente, como membro influente da União Europeia, como fonte de investimentos e como país de origem de vários grupos empresariais instalados no Brasil. O erro de avaliação é igualmente enorme. Este país, assim como a França, tem interesses econômicos e políticos de longo prazo, muito mais amplos que os desafios e oportunidades identificados nas condições imediatas de qualquer governo.
As autoridades francesas normalmente demonstram a percepção dessa diferença. Do lado brasileiro, a noção de interesses nacionais e de objetivos de Estado tem sido pouco visível nas ações e atitudes do presidente da República, pouco afeito a grandes questões, e de vários de seus ministros. Inicialmente moldada pelos padrões bolsonarianos, a atuação do Ministério das Relações Exteriores foi desastrosa durante boa parte do atual mandato presidencial. Melhorou, depois, com o retorno aos padrões do Itamaraty, mas continua limitada pelos valores e objetivos do presidente e de seus auxiliares.
O ministro da Economia, apesar de sua alta escolaridade, tem revelado, com frequência, notável afinidade com seu chefe. Tem-se mostrado avesso ao planejamento, confunde política industrial com mera redução do IPI, contenta-se com um crescimento econômico abaixo de medíocre, menospreza o Mercosul e desconhece os caminhos da integração na economia global. Pode-se especular se o seu trabalho seria melhor sob o comando de outro presidente. Mas essa especulação teria, agora, pouca importância prática. O ministro fala de um possível crescimento na faixa de 2% a 2,5% como se fosse um resultado notável e parece orgulhoso da herança legada ao próximo governo. Talvez esteja certo. Que se preocupem os cidadãos distantes da Praça dos Três Poderes.