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A hora do bom combate político nos EUA

Não se pode subestimar a ameaça autoritária de Trump, mas a democracia americana é vigorosa o suficiente para lhe impor limites. Resta à oposição provar que pode fazer melhor que ele

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Por Notas & Informações
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A ameaça que o presidente dos EUA, Donald Trump, representa à democracia é real. Ninguém pode duvidar de seus instintos autocráticos, amplamente comprovados por sua atitude antidemocrática de não reconhecer o resultado das eleições de 2020, chantageando autoridades estaduais para revertê-lo e incitando militantes a invadir o Capitólio para impedir a ratificação da vitória do democrata Joe Biden. Ele nunca se retratou disso e afirma ainda hoje que as eleições foram roubadas. Um de seus primeiros atos em seu segundo mandato foi perdoar os invasores condenados pela Justiça – ou, como ele diz, “prisioneiros políticos”, num escárnio à democracia e ao Estado de Direito.

Agora ele tem mais poder do que nunca e também mais experiência. O Partido Republicano está mais ideologicamente alinhado e em grande medida se transformou num culto à personalidade. Até oligarcas das big techs outrora críticos agora fazem o beija-mão. Trump começa seu mandato com maioria nas duas Casas parlamentares e uma Suprema Corte com uma maioria conservadora de 6 contra 3. Ele preencheu seu gabinete com ferozes militantes para combater e aniquilar os “inimigos internos”. “Sua indiferença em relação aos valores americanos farão de 2025 e os anos subsequentes uma temporada aberta de vandalismo político”, resumiu a consultoria de risco político Eurasia.

Mas, se não se deve subestimar os riscos, tampouco se deve subestimar a resiliência da democracia americana.

Considerem-se os últimos 20 anos. A presidência mudou de controle partidário quatro vezes, a Câmara dos Deputados mudou quatro vezes e o Senado, também quatro vezes. Pela primeira vez em 120 anos, os partidos incumbentes perderam três eleições presidenciais consecutivas: 2016 (democratas), 2020 (republicanos) e 2024 (democratas). Isso não significa que os eleitores tenham mudado suas posições ideológicas, sobre, por exemplo, o aborto ou o tamanho do Estado, mas sim que rejeitaram governantes que não entregaram os resultados prometidos.

Trump cultiva uma imagem de “rolo compressor” eleitoral, mas ele perdeu a disputa de 2020 e acumulou derrotas nas eleições de 2018 e 2022. Agora, ele tem maioria na Câmara, mas é a mais estreita em 100 anos, e começa o seu segundo mandato já com uma das mais altas taxas de impopularidade para um presidente em seu primeiro ano.

A blitzkrieg de decretos em seu primeiro dia foi estonteante, mas muitas das promessas de campanha de Trump – incluindo as mais críticas relativas à imigração, tarifas ou energia – não poderão ser cumpridas sem uma legislação do Congresso. A maioria dos senadores republicanos chegou ao Congresso antes de 2017. Já o seu primeiro nomeado para o Departamento de Justiça caiu por resistência de republicanos moderados antes mesmo de ser submetido à aprovação do Senado, e outras indicações exóticas encontram dificuldades.

O apelo a ordens executivas para superar impasses no Congresso tem crescido desde a gestão de Barack Obama, mas a estratégia tem sido em grande medida frustrada pela Justiça. Ainda neste mês, a Suprema Corte recusou um recurso de Trump para barrar uma sentença de um tribunal em Nova York que o acabou sentenciando como culpado por fraudar registros contábeis.

Sem dúvida a eleição de Trump exprime um resgate de anseios conservadores clássicos no eleitorado americano: a desconfiança do big government, do intervencionismo estrangeiro, do identitarismo, e o desejo de políticas pró-família, de uma rede mínima de seguridade social, de políticas de imigração disciplinadas, da meritocracia. Mas, a julgar pelo seu primeiro mandato, Trump é a resposta errada a perguntas certas, e faltam-lhe a coerência e a disciplina para implementar essas políticas. Agora, ele tem só dois anos e uma margem estreita no Congresso antes de enfrentar o veredicto popular.

A oposição precisará fazer a sua própria lição de casa. O alarmismo e a demonização falharam. Se Trump é a resposta errada, os democratas ainda precisam provar que têm a certa.

“São ações, não palavras que contam”, disse Trump em seu discurso de posse. Isso é verdade para ele, e também para a oposição. O tempo dos discursos acabou. Começa agora a temporada aberta da política.