Depois de resistir por quase um ano às pressões para que aprovasse às pressas a última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) preparada pelo governo anterior, o Ministério da Educação (MEC) finalmente apresentou a versão elaborada pelo governo do presidente Michel Temer. O documento estabelece os objetivos de competências e aprendizagem esperados em cada ano escolar para os 49 milhões de alunos matriculados nas 190 mil escolas de ensino infantil e básico das redes pública e privada de todo o País.
Agora, o texto será encaminhado ao Conselho Nacional de Educação, que deverá apreciá-lo até dezembro. Após seu parecer, o órgão encaminhará o documento para homologação do ministro da Educação. A ideia é que a BNCC entre em vigor em 2019 e que 2018 seja dedicado ao treinamento de 2 milhões de professores e à reelaboração dos currículos, pelas secretarias municipais e estaduais da Educação, com base nas novas diretrizes.
Divulgada em setembro de 2015, ano em que a chefia do MEC foi trocada três vezes por razões políticas, a primeira versão da BNCC reuniu 12 milhões de sugestões de entidades de escolas, corporações docentes e movimentos sociais e foi submetida a várias audiências públicas. Como elas primaram por aprovar modismos pedagógicos e propostas ideologicamente enviesadas, o documento foi uma colcha de retalhos. Com 302 páginas, ele pecou pela imprecisão na questão da alfabetização, pela falta de objetividade na questão da transversalidade das disciplinas, pela exclusão da história antiga e europeia e por proselitismo político, a ponto de enfatizar a crítica ao capitalismo.
Lançada no início de 2016, a segunda versão ficou mais extensa e tão ruim quanto a anterior. Com 676 páginas, também primou pela imprecisão conceitual e por tantas concessões corporativas que acabou sendo classificada por pedagogos renomados como um “currículo digno de um Forrest Gump”. A má qualidade dessa versão é reflexo do processo de consulta adotado pelo governo Dilma, que privilegiou assembleias-gerais, diz o pedagogo João Batista Araújo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.
No governo Temer, o MEC mudou de estratégia, criando um comitê gestor para redigir uma terceira versão. Integrado por técnicos do órgão, esse comitê convidou especialistas isentos em ensino infantil e básico para atuarem como leitores críticos do material já produzido. Com base em suas sugestões, a nova versão determina que o conteúdo de história seja organizado segundo a cronologia dos fatos. Também exige que o inglês seja ensinado obrigatoriamente. A versão anterior conferia a cada comunidade escolar a prerrogativa de escolher a língua estrangeira a ser ministrada, levando em conta a realidade local.
Com 396 páginas, a nova versão da BNCC prevê que o ensino religioso seja oferecido em caráter optativo. Na versão anterior, ele estava incluído na lista de áreas com “ofertas obrigatórias”, como matemática, linguagens, ciências humanas e ciências da natureza. Em vez de fazer digressões sobre o conceito de gênero, o novo texto respeita o bom senso, defendendo o “respeito à pluralidade”. Prevê, ainda, que toda criança esteja alfabetizada até o fim do segundo ano – na versão anterior, o prazo era até o terceiro ano. Em matéria de competências cognitivas, a BNCC recomenda que os alunos usem tecnologias digitais de informação de modo “crítico, reflexivo e ético”. Com relação ao ensino médio, ele será abordado em texto específico a ser divulgado até dezembro.
Por permitir a formação mais adequada de professores e orientar a preparação do material didático, a base curricular mínima é fundamental para a formulação de políticas educacionais. Nos países que a adotaram, como os Estados Unidos, sua definição envolve um processo complexo e sem concessões corporativas. Ao contrário do governo Dilma, o governo Temer teve o mérito de compreender que a base curricular mínima é importante demais para ser tratada com viés ideológico e corporativo.