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A universidade a serviço do País

Criação de instituto de pesquisas para combater a fome, sob coordenação da USP e com financiamento do CNPq, mostra que a academia tem muito a contribuir para desafios nacionais

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Por Notas & Informações
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Há quem acuse as universidades brasileiras de certo alheamento em relação aos problemas nacionais, como se a academia, apesar de reunir pessoal especializado e capaz de oferecer soluções, ficasse confinada em seu próprio mundo e, portanto, estivesse desvinculada das questões que mais afligem o País. Certamente tal percepção pode encontrar, na vasta e diversificada rede de ensino superior espalhada por todo o território nacional, exemplos aqui e ali que a confirmem. No entanto, basta um olhar atento para reparar uma incrível quantidade de pesquisadores dedicados a buscar e fornecer respostas para alguns dos principais desafios do Brasil.

Uma firme demonstração desse compromisso está para ganhar corpo na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Como noticiou o Jornal da USP, a faculdade vai coordenar um novo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) concebido para conduzir pesquisas sobre o combate à fome. A iniciativa não poderia ser mais oportuna, considerando o agravamento da tragédia da fome nos últimos anos − no rastro não só da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia, mas da inoperância do governo Jair Bolsonaro, que desmontou a rede de segurança alimentar.

Como destacado neste espaço, o Brasil voltou a integrar o mapa da fome da Organização das Nações Unidas (ONU), uma situação vergonhosa e inaceitável para um país que é líder na produção agropecuária (País decente não tem fome, 8/7/2022). Do desespero de quem não tem o que comer, recentemente simbolizado pelo menino de 10 anos que ligou para a Polícia Militar em razão da falta de alimentos em casa, ao aumento da hospitalização de bebês com desnutrição, a fome é um desafio complexo e multifacetado, cuja devida compreensão só tem a colaborar para o desenho de políticas públicas.

A iniciativa coordenada pela USP terá caráter interdisciplinar e reunirá pesquisadores de pelo menos outras 15 universidades brasileiras e estrangeiras. Entre elas, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), além da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A participação de universidades da China, Canadá, Reino Unido e Portugal agrega novos olhares. “Há um aumento global da fome e da desnutrição”, disse a professora Dirce Maria Lobo Marchioni, coordenadora do instituto.

O direito humano à alimentação requer a articulação de atores diversos em frentes variadas. Ao provocar o fechamento de escolas, por exemplo, a pandemia escancarou a relevância da merenda escolar para a segurança alimentar. De fato, a merenda constitui a principal ou mesmo a única refeição do dia de muitas crianças. Uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi reajustar o valor dos repasses federais. A comida servida aos alunos é também fator de estímulo à produção rural, ainda mais com a exigência de que parte dos alimentos seja adquirida de pequenos agricultores.

O novo INCT de Combate à Fome foi um dos 58 institutos contemplados em dezembro pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que planeja investir cerca de R$ 324 milhões nessa rede de pesquisa de excelência. O foco dela será estudar “grandes desafios nacionais”, como agricultura de baixo carbono, saúde, desigualdades e violência de gênero e inteligência artificial. Espalhados por todo o País, os novos institutos têm como objetivo fomentar a inovação e a pesquisa científica e tecnológica nas cinco grandes regiões brasileiras.

Não há desenvolvimento sem investimento na ciência e no trabalho de pesquisadores. O Brasil tem larga experiência dessa realidade; por exemplo, no agronegócio, com a contribuição decisiva da Embrapa; na exploração de petróleo, com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e na indústria aeronáutica, com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). É um jogo de ganha-ganha: sempre que o País e a academia andam juntos, a sociedade avança.