Nos países desenvolvidos está em curso um debate acalorado sobre a regulamentação das chamadas big techs. A pandemia inflamou essa discussão, que agora se tornou incontornável também para os mercados em desenvolvimento.
Na contramão da maioria dos setores, as multinacionais de tecnologia ampliaram seus negócios de compras online, entretenimento e relacionamento social ou empresarial. Ao mesmo tempo, a Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados dos EUA, em um minucioso relatório sobre as chamadas “quatro grandes”, alega que elas não só operaram para conquistar monopólios, como abusaram de seu poder. O Departamento de Justiça norte-americano está a ponto de mover uma ação contra o Google por abuso de seu monopólio nas buscas online. Amazon, Apple e Facebook também estão sob investigações antitruste por agências federais e pelas procuradorias dos Estados.
A Comissão sugere uma reforma da legislação antitruste, da envergadura das realizadas na época dos barões do petróleo e depois no setor financeiro e no de alimentação. A proposta tem apoio bipartidário, embora os republicanos sejam mais cautelosos do que os democratas – sobretudo na ideia de fragmentar as cadeias de produção já constituídas pelas big techs. De todo modo, a proposta ganha tração. Uma pesquisa do Pew Research Center aponta que 72% dos americanos acreditam que as mídias sociais têm poder demais.
A dificuldade com as leis atuais é que são primordialmente focadas nos danos ao consumidor ou controle de preços. Mas o negócio das big techs é peculiar. A própria Comissão reconhece os “claros benefícios à sociedade” por meio da oferta de produtos inovadores ao público a baixo custo ou mesmo gratuitamente. Os danos ao mercado estão na cadeia de produção e fornecimento, por exemplo, na imposição de tarifas e termos contratuais excessivos ou no controle abusivo de dados.
Acima de tudo, é preciso um olhar atento à aquisição de concorrentes para eliminar a competição. A União Europeia, por sua vez, está em vias de editar uma legislação que obrigará as big techs a compartilhar suas reservas de dados com rivais menores.
Um diagnóstico do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB, em inglês), um instituto internacional independente que reúne autoridades financeiras para propor políticas de regulação e supervisão para os sistemas financeiros, traz luzes sobre o impacto das multinacionais de tecnologia nos mercados emergentes e em desenvolvimento.
Em termos de serviços financeiros, o FSB constata que a expansão das big techs é mais rápida e ampla nestes países do que em economias avançadas. Isso porque os baixos níveis de inclusão financeira respondem a uma demanda pouco atendida pelas instituições financeiras tradicionais.
Os benefícios são evidentes. As classes baixas e populações rurais são muitas vezes atraídas por ofertas a custos mais baixos, cada vez mais disseminadas com a crescente disponibilização de dispositivos móveis. Algoritmos bem calibrados também podem oferecer produtos mais bem talhados às necessidades de cada um, criando melhores condições de bem-estar financeiro.
Há, contudo, os riscos e vulnerabilidades, como, por exemplo, no uso e proteção de dados pessoais. Além disso, onde as big techs são os principais provedores, há a tendência a dominar o mercado e, no limite, à prática do monopólio de uma delas.
Por isso, é preciso especial atenção à regulação e supervisão, tanto para apoiar a inovação dos serviços financeiros como para mitigar os riscos. O FSB adverte para “a necessidade de aplicar o princípio ‘mesmo risco – mesma regulação’ em relação às atividades das big techs, modelando ao mesmo tempo quadros regulatórios correspondentes ao tamanho e escopo das atividades das big techs”. As autoridades financeiras também precisam exercer um olhar atento à governança de dados, proteção aos consumidores e gestão dos riscos operacionais.
Não há fórmulas prontas, mas o próprio FSB oferece um vasto mosaico de boas práticas internacionais que podem ser ponderadas pelas autoridades brasileiras.