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Bolsonaro deve explicações

Multiplicam-se os indícios de que bolsonaristas tramavam para tentar impedir a posse de Lula; o ex-presidente precisa esclarecer qual foi seu papel nessas conspirações extravagantes

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Por Notas & Informações
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O ex-presidente Jair Bolsonaro deve muitas explicações ao País. E antes fossem apenas, digamos assim, sobre a natureza de sua ligação com milicianos do Rio de Janeiro, a prática de “rachadinha” nos gabinetes parlamentares do clã Bolsonaro, a compra de dezenas de imóveis em dinheiro vivo, o pagamento de contas pessoais de alguns de seus familiares com o cartão corporativo da Presidência da República e o abuso de poder político e econômico para tentar se reeleger.

Após sua derrota nas urnas, têm surgido indícios aos borbotões de que Bolsonaro estaria no centro de uma conspirata para impedir a diplomação e posse de seu adversário na eleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se de suspeita muito grave, sobre a qual Bolsonaro não pode se furtar a prestar os devidos esclarecimentos.

O País precisa saber se houve participação do ex-presidente da República, direta ou indireta, na preparação e execução do assalto às sedes dos Poderes em Brasília, no infame dia 8 de janeiro. Não resta a menor dúvida de que a razia promovida pelos golpistas foi realizada em nome de Bolsonaro, mas é preciso apurar o seu grau de responsabilidade por aquele desfecho trágico. Algum há, é evidente. Bolsonaro sempre estimulou a reação agressiva de seus apoiadores a todo e qualquer revés político e jurídico, tal como ele sempre fez ao longo de quase 30 anos de vida parlamentar.

O País também precisa saber qual é a relação de Bolsonaro com a infame “minuta do golpe” – o rascunho de um decreto que punha o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob intervenção para mudar o resultado da eleição presidencial. Esse documento foi encontrado pela Polícia Federal na casa de Anderson Torres, que foi ministro da Justiça e homem de confiança de Bolsonaro. Ademais, se é verdade que havia cópias de documentos desse tipo “na casa de todo mundo”, como disse candidamente Valdemar Costa Neto, chefão do PL, partido de Bolsonaro, é lícito inferir que o ex-presidente tinha, no mínimo, conhecimento da urdidura.

Por fim, o País precisa saber qual foi o papel de Bolsonaro na preparação de um plano mambembe – mas não menos grave por isso – para induzir o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, a dizer que, em algumas decisões, “extrapolou as linhas da Constituição”, gravá-lo sorrateiramente e, pasme o leitor, levar à sua prisão e suspeição, o que, no delírio dos que conceberam tal plano, anularia o resultado da eleição presidencial de 2022 e manteria Bolsonaro no cargo.

Fruto de uma das mais perigosas combinações, burrice com audácia, o plano mirabolante acaba de ser trazido a público pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES). Do Val disse, primeiro, que teria sido “coagido” por Bolsonaro a participar do complô; depois de conversar com o senador Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente, passou a atribuir a autoria do plano ao notório ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), agora preso por violar medidas cautelares determinadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Em se tratando de um senador da República, é lamentável constatar, mas a palavra de Marcos do Val não vale o papel em que está escrita. O parlamentar já apresentou, num intervalo de poucas horas, ao menos três versões diferentes para um mesmo fato. De qualquer modo, o senador Flávio Bolsonaro já admitiu, da tribuna do Senado, que o pai se reuniu com Marcos do Val e com Daniel Silveira em meados de dezembro, no Palácio da Alvorada, mas, segundo ele, nenhuma atividade criminosa teria sido discutida na ocasião. Sobre o que, então, conversaram?

Antes mesmo de terminar o mandato, Bolsonaro refugiou-se na Flórida, decerto acreditando que essa espécie de exílio autoimposto o livraria, ao menos por ora, de prestar esclarecimentos às autoridades brasileiras sobre os muitos malfeitos durante seu governo e, agora, sobre seu suposto envolvimento em conchavos para subverter o resultado da eleição. Em nome da moralidade pública, está na hora de Bolsonaro ser ouvido pela polícia. Até para negar, se for o caso, as graves suspeitas que pairam sobre ele.