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‘Bondade’ que se esfuma

Contido à força por Bolsonaro de olho na eleição, o preço da gasolina volta a subir, como era previsível

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Por Notas & Informações
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A alta do preço da gasolina nas bombas mostrada em recente reportagem do Estadão seria apenas uma oscilação natural num mercado livre se não contivesse uma ironia político-eleitoral. Destinada a evitar a corrosão da popularidade do governo e de seu chefe candidato à reeleição, a redução artificial dos preços dos combustíveis nos últimos meses ajudou a conter a inflação. Conseguida pelo presidente Jair Bolsonaro após pressões sobre a Petrobras e por meio do atropelo do princípio federativo ao forçar o corte de impostos estaduais, a iniciativa era, porém, insustentável. Ela começa a desmoronar a poucos dias do segundo turno da disputa eleitoral na qual Bolsonaro aparece atrás de seu concorrente nas pesquisas de intenção de voto.

O represamento artificial dos preços dos derivados de petróleo (diesel e gás de cozinha, além da gasolina) fazia parte de um conjunto de medidas destinadas a facilitar a reeleição de Bolsonaro. Todas elas impõem aos consumidores ou aos contribuintes custos que, em algum momento, serão cobrados. No caso da gasolina, a conta começa a chegar. Das outras medidas, de grande peso nas contas públicas, o custo ainda não está claro para os contribuintes ou está sendo adiado para exercícios futuros, mas inevitavelmente surgirá.

O preço da gasolina vinha caindo por 15 semanas seguidas, o que resultou na deflação dos três últimos meses e sustentava o discurso do governo de que a inflação que assombra o resto do mundo deixou de ser problema para os brasileiros. Funcionários federais mais sensatos, como os que dirigem o Banco Central, no entanto, continuam a apontar riscos e não estão dispostos a aliviar com presteza as medidas para conter a aceleração inflacionária. A alta da gasolina constatada em nível nacional pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) justifica a cautela.

A contenção a marteladas do preço dos combustíveis é apenas uma das muitas iniciativas populistas do presidente Jair Bolsonaro e de seus auxiliares para tentar impulsionar sua pretensão eleitoral. Aumento para R$ 600 do valor do Auxílio Brasil, ampliação do vale-gás, auxílios para taxistas e caminhoneiros e cortes de tributação sobre combustíveis (com forte impacto sobre as finanças dos Estados e municípios) são algumas dessas medidas de objetivo claramente eleitoral.

Em nenhum momento o candidato à reeleição se referiu a custos, presentes ou futuros, de tantas bondades eleitorais. Quanto à atividade econômica, o governo diz que ela está “bombando”, mas silencia sobre a desaceleração talvez já em curso e que se acentuará em 2023.

Quem sabe fazer contas, como a Instituição Fiscal Independente vinculada ao Senado, estima que os gastos adicionais com o Auxílio Brasil alcancem R$ 51,8 bilhões. Combinados com a redução da atividade econômica e a quebra da arrecadação, esses gastos levarão o resultado das contas públicas do provável superávit primário de 0,5% do PIB em 2022 para um déficit de 1% em 2023. É a conta que Bolsonaro está adiando para o futuro governo.