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Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Como distanciar alunos do ensino a distância

Eis que o MEC propõe um novo regulamento para o EAD, ignorando o conhecimento acumulado

Foto do author Claudio  de Moura Castro
Atualização:

Quem acha que o velho é novo, vai dizer besteira ou fazer besteira. É o caso com o Ensino a Distância (EAD) – que é ancião. Começa no século 18 e ganha um grande impulso quando surge o selo de correio, viabilizando o ensino por correspondência. De lá para cá, o crescimento foi espantoso. Apenas para exemplificar, na década de 1930, a maior parte dos engenheiros russos eram assim formados.

Ver nele uma novidade leva a ignorar a experiência passada, com seus avanços nas técnicas de ensinar voltadas para alunos que estão distantes. É lastimável que, durante a covid-19, a escola não incorporasse o que foi aprendido pelos cursos de EAD ao cabo de dois séculos. Cometeram-se erros primários, por ignorar o que já se sabia.

Pipocam discursos veementes contra reais descalabros dos cursos superiores de EAD. De fato, não há como subestimar tais críticas. Contudo, elas ignoram que as versões presenciais tendem a ser igualmente capengas.

Inúmeras pesquisas foram realizadas, comparando o presencial com o EAD, naqueles casos em que isso é possível. Os resultados mostram que não há uma superioridade de um ou outro. Essa evidência não pode ser ignorada. O próprio Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) permite tais comparações, exibindo desempenhos muito parecidos.

Em um nível pessoal, com 15 anos, fiz o curso de Radiotécnica do Instituto Monitor. Consertei rádios e montei amplificadores. E, no que coincidiam os assuntos, aprendi no Monitor o que não entendia na escola.

Anos depois, diante do ceticismo das gentes, montei uma pesquisa substancial. Nela, foram entrevistados os graduados desses cursos, sempre baratos e populares. Descobrimos que, em menos de um ano, usando o aprendido, eles eram capazes de recuperar o valor das mensalidades pagas.

Eis que chega o Ministério da Educação (MEC) nos propondo um novo regulamento para o EAD (revisão do marco regulatório da educação a distância). Nele, peca várias vezes, ignorando o conhecimento acumulado.

Desdenha a relevância do Enade, medindo o que o aluno aprendeu. É o que deveria contar. Prefere legislar sobre detalhes e processos que podem ou não se associar à qualidade. Por contágio de seus cacoetes usuais, intromete-se nas operações internas da instituição: deve pedir a identidade do aluno e informar o endereço da sede. Define o que fazem e o que não fazem os gestores do EAD. Deve haver uma salinha para a comissão de avaliação (um belo convite à farsa).

Um magno engano está nas proibições de compartilhar espaços ou polos remotos com outras instituições e com cursos presenciais. Um espaço usado por muitos justifica investimentos bem mais generosos. Melhor um polo ótimo compartilhado do que cinco individuais e pobrezinhos.

Por décadas, o MEC tenta legislar sobre o tamanho das turmas presenciais. Ignora que apenas aulas com menos de 15 alunos permitem uma interação profícua. Com mais, faz pouca diferença. Em Berkeley (a melhor universidade pública do mundo), vi turmas com 1.200 alunos. O MEC propõe para o EAD o mesmo limite de 50 alunos.

Mais ainda, implícito nas regras propostas, as aulas não podem ser gravadas, pois isso viola a regra dos 50 alunos. Se Richard Feynman ou Albert Einstein estivessem vivos, o MEC não aceitaria uma aula gravada por eles.

O MEC permite apenas a sua versão, única e estreita. Desconsidera a grande variedade de modelos. Cito dois exemplos.

Em Harvard, o curso introdutório de Computação, em sua vertente EAD, foi completado por 2,5 milhões de alunos. O MIT opera um modelo semelhante. Essas aulas são amplamente superiores às que se poderiam almejar em um curso para 50 alunos.

O Telecurso 2000, custando US$ 30 milhões, produz uma aula mais perfeita, persuasiva ou refinada do que qualquer professor presencial. No entanto, como mais de 5 milhões de alunos nele se formaram, o custo para cada aluno é menos de US$ 5. Mas levaria bomba do MEC, pois, além de as aulas serem gravadas, quem aparece na tela são atores profissionais.

No EAD, a qualidade é função do investimento que foi feito para preparar as aulas, com seus materiais, demonstrações, simulações e tecnologias. Se são 50 alunos, gasta-se o que eles podem pagar, ou seja, muito pouco. Mas, se são 5 mil, com a mesma mensalidade, cada aluno pode se beneficiar de um gasto cem vezes maior. Para quem estuda a distância, é igual ter três colegas ou 3 milhões. E a interação com professores, monitores ou colegas pode se dar de múltiplas formas.

Em um nível mais sistêmico, em vez de acentuar as diferenças entre presencial, híbrido e EAD, faria mais sentido ver essas três modalidades como um continuum, buscando-se o máximo de regras comuns para todas. Cada vez menos é conveniente um presencial sem momentos a distância, e o EAD se beneficia ou requer etapas presenciais.

Faltaram especificações detalhadas para o estágio obrigatório em escolas, no caso dos cursos de formação de professores. O mesmo com outras áreas em que a presença é essencial. Talvez essas sejam as exigências mais importantes de todas – e servem para o presencial.

É difícil descobrir se o objetivo do documento é atrapalhar o EAD ou apenas reflete a estreiteza dos conhecimentos de quem o redigiu.

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PH.D., CONSULTOR INDEPENDENTE, É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

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CORREÇÃO

No artigo publicado em 2/2/2025, constava um erro de cálculo. O correto é que 5 mil alunos se beneficiam de um gasto cem vezes maior que 50 alunos, e não 500 vezes maior.

Opinião por Claudio de Moura Castro

Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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