A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou ao Supremo Tribunal Federal (STF) três deputados do PL – Josimar Maranhãozinho (MA), Bosco Costa (SE) e Pastor Gil (MA) – por desvio de emendas parlamentares. O trio é acusado de agir para desviar uma parcela de R$ 1,6 milhão de repasses ao município maranhense de São José de Ribamar. A investigação partiu de uma denúncia de extorsão de 2020 do então prefeito do município, Eudes Sampaio. Segundo a PGR, os deputados cobrariam uma quantia de 25% dos recursos transferidos ao município por meio de emendas.
O processo corre sob sigilo e, por óbvio, é preciso esperar a sua conclusão. Mas não é o primeiro e tudo indica que não será o último. O fato é que as emendas parlamentares, tal como foram reconfiguradas, ou melhor, desfiguradas, são um campo fértil à improbidade e à corrupção.
Considere-se o caso das “transferências especiais”, normatizadas em 2019. Por essa modalidade, apelidada “emenda Pix”, os parlamentares doam recursos da União diretamente aos Estados e municípios, sem a necessidade de indicar a sua destinação ou celebrar convênio. Uma vez transferido, o dinheiro passa a pertencer ao ente federado, que pode gastá-lo praticamente como bem entender e não está obrigado a prestar contas ao governo federal. Como disse a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo em uma ação protocolada no STF que questiona a constitucionalidade dessas emendas, elas criam um verdadeiro “apagão fiscalizador contábil no Estado brasileiro”.
Não surpreende que as emendas Pix tenham se tornado o recurso mais usado por parlamentares para mandar dinheiro para seus redutos. No ano passado, dos R$ 25,6 bilhões liberados pelo governo federal para esse fim, R$ 6,4 bilhões foram direcionados por meio das emendas Pix.
No ano eleitoral de 2022, elas foram usadas, por exemplo, para bancar shows sertanejos em cidades sem infraestrutura. Entre 2020 e 2023, a cidade que mais recebeu esses recursos, Carapicuíba (SP), pagou mais caro por asfalto e reformas de praça, enquanto obras em escolas ficavam paralisadas ou atrasadas. No ano passado, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo alertou que 80% dos municípios não têm prestado contas de como essas verbas foram executadas.
Uma auditoria da Controladoria-Geral da União sobre os 10 municípios que mais receberam emendas conforme a proporção da população, entre 2020 e 2023, mostrou que todos são pequenos, sem órgãos de fiscalização adequados e que boa parte dos recursos foi destinada a obras que nem sequer começaram e não servem às principais demandas municipais. O Estadão apurou que, das 30 cidades que lideram o ranking de emendas per capita naquele período, 80% têm zero transparência sobre sua execução.
A cada vez que a imprensa ou órgãos de fiscalização conseguem abrir uma fresta da caixa-preta das emendas, os indícios de irregularidades transbordam. Só o deputado Josimar Maranhãozinho é alvo de mais duas investigações envolvendo malversação de emendas. Uma delas pode ter desviado R$ 15 milhões de verbas destinadas à Saúde no Maranhão.
A corrupção no sentido estritamente criminal é só o aspecto mais ultrajante da corrupção sistêmica em curso através das emendas. Mesmo quando não há desvio de recursos públicos para enriquecimento privado, as emendas corrompem as políticas públicas, porque são repassadas sem critérios técnicos e conformes aos objetivos da União e às necessidades de Estados e municípios; corrompem a governabilidade, porque podem ser utilizadas pelos parlamentares para satisfazer seus interesses paroquiais negligenciando a disciplina partidária; corrompem a competição democrática, porque são utilizadas para abastecer redutos eleitorais dos congressistas como um Fundo Eleitoral complementar.
Para dar só uma ideia das consequências dessa pulverização do Orçamento, dos R$ 194 bilhões em emendas ao Orçamento feitas desde 2019, os congressistas destinaram apenas 0,02% para ações de combate a incêndios. É emblemático: enquanto o “feirão de emendas” corre solto em Brasília, o fogo corre solto no Brasil.