Já deveria ter ficado claro para o governo de Jair Bolsonaro que sua hostilidade às iniciativas de organismos multilaterais para mitigar os efeitos das mudanças climáticas é contraproducente para o Brasil, não só do ponto de vista ambiental, mas também sob o aspecto econômico. Se não acredita nos estudos que indicam as nefastas consequências das mudanças climáticas, atribuindo-os a um conluio “globalista” contra a soberania nacional, o presidente deveria ao menos levar em conta que a deterioração da imagem internacional do Brasil nessa seara é péssima para os negócios. Ser visto como inimigo do meio ambiente pode custar caro para o País, na forma de barreiras tarifárias ou outras para produtos brasileiros, principalmente os agrícolas – sem mencionar o prejuízo nas relações políticas com o mundo desenvolvido em razão da grande sensibilidade suscitada por esse tema.
No entanto, o governo Bolsonaro continua a mostrar uma compreensão estreita da questão ambiental. O último exemplo disso foi a decisão de não sediar a Semana do Clima, prevista para acontecer entre os dias 19 e 23 de agosto, em Salvador, sob organização da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. O evento é uma das etapas preparatórias para a Conferência do Clima (COP25), a ser realizada em Santiago do Chile em dezembro.
Em novembro do ano passado, o Brasil já havia desistido de ser sede da própria COP25, a pedido do então presidente eleito, sob o argumento de que o País enfrentava “restrições fiscais e orçamentárias”. O País havia sido escolhido para receber o encontro depois do interesse demonstrado pelo governo de Michel Temer, coerente com a boa imagem do Brasil na área ambiental, construída desde a Eco-92, um dos primeiros grandes encontros internacionais, sediado no Rio de Janeiro em 1992, para discutir medidas para o desenvolvimento sustentável do planeta.
O governo de Jair Bolsonaro não parece preocupado com a manutenção dessa reputação. Ao esclarecer os motivos pelos quais cancelou o encontro da Semana do Clima em Salvador, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que “não faz sentido” realizar aquela reunião se o Brasil não será sede da COP25. “Não apoiamos uma reunião organizada antes de nossa gestão, com uma pauta distinta da que preferimos”, disse o ministro Salles ao jornal O Globo. Segundo ele, a “agenda principal” do atual governo em relação ao meio ambiente “é uma agenda ambiental urbana, do saneamento”.
O investimento em saneamento, de fato urgentíssimo, não justifica o abandono das políticas destinadas a enfrentar os efeitos das mudanças climáticas. Há dias, o governo anunciou o contingenciamento de nada menos que 96% das verbas destinadas a projetos que incluem, por exemplo, a recuperação de áreas de encostas afetadas por chuvas e uma ampla pesquisa para diagnosticar as condições do País para enfrentar enchentes e outros desastres ambientais. Restaram apenas R$ 500 mil para essas e outras iniciativas. É óbvio que esse montante inviabiliza completamente o trabalho.
Tudo isso é coerente com a visão de Bolsonaro da agenda das mudanças climáticas, que ele considera mero pretexto de grupos de interesse estrangeiros para ferir a independência do Brasil. Ainda como presidente eleito, Bolsonaro havia anunciado a intenção de denunciar o Acordo de Paris, que compromete os signatários a estabelecer metas de emissão de carbono com o objetivo de reduzir a temperatura global. Felizmente, já como presidente, disse que o Brasil permaneceria “por ora” no acordo.
Mas as atitudes do governo desde então têm sido pautadas pelo enfrentamento do que o chanceler Ernesto Araújo chamou de “climatismo” – uma trama marxista destinada a “sufocar o crescimento econômico dos países capitalistas democráticos e favorecer o crescimento da China”. Já o ministro Ricardo Salles preferiu ser menos teórico: disse ao site G1 que nada justifica realizar o encontro do clima em Salvador, a não ser “para a turma ter oportunidade de fazer turismo em Salvador” e “comer acarajé”.