Com ou sem acordo, no dia 1.º de janeiro de 2021 o Reino Unido deixará de fazer parte da União Europeia (UE) definitivamente. O que se avizinha como cenário “muito provável”, nas palavras do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, é o chamado “no deal”, o Brexit sem acordo.
Faltando poucos dias para o fim do período de transição, entre fevereiro e dezembro deste ano, as partes ainda não conseguiram superar divergências que obstaram o progresso de sucessivas negociações para uma saída pactuada. Pudera. Negociações dessa natureza costumam durar anos, às vezes décadas, e não alguns meses. É tanto mais difícil sob a pressão de um prazo fatal. As autoridades do Reino Unido e da UE seguem conversando, mas um acordo de saída ainda é improvável.
A sensível questão da fronteira entre a Irlanda do Norte, que pertence ao Reino Unido, e a República da Irlanda, Estado-membro da UE, parece superada. No dia 8 de dezembro, o vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic, e o ministro britânico encarregado da transição, Michael Gove, anunciaram um “acordo de princípios” que prevê apenas a verificação de mercadorias na fronteira, mantendo intactas as conquistas do Acordo da Sexta-Feira Santa, por meio do qual foi selada a paz entre os unionistas da Irlanda do Norte e os nacionalistas da República da Irlanda, em 1998. Este era um ponto nevrálgico das negociações e, em boa medida, custou o cargo da antecessora de Johnson no número 10 da Downing Street, Theresa May.
No entanto, permanecem em aberto definições quanto ao direito de pesca em águas britânicas e as normas que, a partir do ano que vem, devem reger a competição igualitária das empresas no Reino Unido e nos países que compõem a UE. O negociador-chefe da UE, Michel Barnier, afirmou que “houve progresso” na nova tentativa de acordo, “mas os últimos obstáculos permanecem”. Se há impasses, não é tão confortável o “progresso” indicado por Barnier. Dias antes, ele informou que alguns países do bloco estavam “muito nervosos” com a perspectiva de encerrar o período de transição sem um acordo de saída fechado entre Londres e Bruxelas.
O Brexit é resultado de um gravíssimo erro político do ex-primeiro-ministro britânico David Cameron, tão grave que arruinou sua carreira política. E agora pode ter um desfecho dramático pela dificuldade de seus dois sucessores para negociar uma separação segura. Decerto o cenário “no deal” será altamente prejudicial para os dois lados, mas muito pior será para o Reino Unido pelo grau de importância que o comércio com o continente tem para as finanças do país.
Um estudo da London School of Economics indicou que o impacto de um rompimento sem acordo com a UE na economia britânica pode ser até três vezes pior do que o provocado pela pandemia de covid-19. Os efeitos da pandemia são pontuais, aponta a universidade, já os do cenário “no deal” serão duradouros. A visão funesta é compartilhada por Andrew Bailey, presidente do Banco da Inglaterra.
Fato é que em duas semanas um laço de meio século será rompido, com todas as consequências políticas, econômicas, sociais e culturais que um acontecimento histórico como o Brexit implica.
Passado o susto causado pela apertada vitória do “leave” e após quatro anos de intensas negociações para tornar essa separação o menos traumática possível, permanece a incerteza quanto ao futuro do Reino Unido fora da UE e desta sem um de seus Estados-membros pela primeira vez desde sua criação, com a assinatura do Tratado de Maastricht em 1992.
Boris Johnson promete que o Reino Unido irá “recuperar a sua soberania” fora da UE e sairá “mais forte” do turbulento processo de separação. Para o primeiro-ministro, e outros entusiastas do Brexit, a questão sempre esteve ligada à “retomada do controle” do destino da nação, como se pertencer à UE tolhesse esse justo desejo. A nostalgia da grandeza, tão cara aos nacionais-populistas que prevaleceram em 2016, tem consequências. Em breve, serão conhecidas.