Campanhas eleitorais costumam dar pouco espaço para a discussão de propostas concretas e detalhadas para o futuro, mas quem vencer a disputa presidencial terá que lidar com uma realidade que não autoriza a venda de ilusões. O nível de engessamento do gasto público chegou a tal ponto que apenas 7% das despesas do Orçamento-Geral da União têm caráter discricionário, ou seja, podem ter a sua aplicação decidida pelo governo e votada por deputados e senadores. Como mostrou recentemente o Estadão, 93% dos gastos de 2023 já estão comprometidos com o pagamento de benefícios sociais, aposentadorias, pensões e salários de servidores públicos, dispêndios obrigatórios que não podem ser cortados nem reduzidos.
Números levantados pelo economista Marcos Mendes revelam uma trajetória crescente das despesas obrigatórias nos últimos 25 anos. Com o envelhecimento da população e a vinculação dos benefícios à correção do salário mínimo, os gastos previdenciários somaram R$ 798 bilhões neste ano, ou 45% das despesas obrigatórias. Completam as despesas obrigatórias a folha de pessoal, os benefícios assistenciais, o abono salarial e o seguro-desemprego, gastos que tendem ao “automatismo”, como definiu o subsecretário de Assuntos Fiscais do Ministério da Economia, Fábio Pifano Pontes, uma vez que seu crescimento se dá de forma praticamente autônoma. O resultado é que os gastos obrigatórios avançam e consomem cada vez mais o espaço das despesas discricionárias no Orçamento, reduzindo os investimentos a patamares pífios. Não fossem os efeitos da reforma da Previdência aprovada em 2019, o fim da política de reajustes reais ao salário mínimo a partir de 2017 e a suspensão dos aumentos salariais no início da pandemia de covid-19, as despesas obrigatórias já teriam consumido toda a parcela dos gastos discricionários no Orçamento.
Uma análise mais profunda sobre a composição do gasto público expõe problemas antigos e que se agravaram exponencialmente nos últimos anos, como a dificuldade que o Congresso tem para assumir escolhas que proporcionem mais eficiência ao Orçamento. Do lado da despesa, um dos casos mais famosos é o do abono salarial, política criticada por praticamente todos os especialistas em contas públicas, que custa nada menos que R$ 20 bilhões anuais e corresponde a um 14.º salário. É incompreensível que o País mantenha uma política pública tão cara e anacrônica, direcionada a uma parcela da população que tem emprego e que conta com a proteção social garantida aos que estão no mercado formal, quando o governo não consegue encontrar uma forma de garantir, em 2023, a vigência do piso de R$ 600 para o Auxílio Brasil, programa social destinado às famílias mais vulneráveis. Do lado das receitas, o Congresso também se mostra historicamente refratário a adotar medidas na direção da promoção de maior justiça tributária e social e incapaz de rever qualquer benefício fiscal.
Como se não bastasse a inação em relação à natureza do gasto público, mais recentemente o Legislativo passou a recorrer a manobras contábeis. Agora, os parlamentares reduzem a parcela das despesas obrigatórias no papel para aumentar artificialmente as verbas reservadas para emendas individuais, de bancada e as transferências diretas para Estados e municípios, conhecidas como emendas Pix. Deputados e senadores avançaram também sobre a parcela de despesas discricionárias por meio das emendas de relator, que em tese podem ser bloqueadas, mas na prática nunca o são. Símbolo de ineficiência, patrimonialismo e falta de transparência, elas devem atingir quase R$ 20 bilhões no ano que vem. Tamanha rigidez do gasto público destaca não apenas a necessidade de reformas para rever as despesas do Executivo nas áreas administrativa e tributária. Reforça também a importância de eleger lideranças capazes de encarar os problemas do País com o grau de realismo que se exige e de pagar o preço político de soluções estruturais que visam a garantir ao País um futuro melhor do que o presente.