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É sério isso?

Punição branda da Conmebol ao Cerro Porteño enfraquece o combate ao racismo no futebol

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Por Notas & Informações
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Multa de US$ 50 mil (cerca de R$ 300 mil) e portões fechados nos jogos na Libertadores Sub-20 foram a punição dada ao time paraguaio Cerro Porteño por ataques racistas de seus torcedores ao jogador Luighi, do Palmeiras, durante o jogo do dia 6 de março. Diante de penalidade tão frouxa, vale repetir à Conmebol a pergunta do atacante a um jornalista da confederação que, personificando a banalização do racismo, ignorou o episódio e tentou concentrar a entrevista pós-jogo na vitória do Palmeiras: É sério isso?

A experiência tem demonstrado que penas brandas de nada têm adiantado para varrer o racismo do futebol. Se a ineficácia de multas, distribuição de cestas básicas e jogos com estádios vazios já está mais do que comprovada, corretíssima é a reivindicação da direção do Palmeiras de punir exemplarmente o Cerro, talvez excluindo o time da Libertadores – medida que, aliás, foi também sugerida por Luighi, que cobrou emocionado da Conmebol reação rigorosa, na mesma intensidade do crime de que foi vítima.

Aos 18 anos, o atacante mostrou ter plena consciência do que significa a formação de uma nova geração de atletas. Segue os passos corajosos de atletas que decidiram não se calar diante de ofensas criminosas, como Vini Jr., que, há um ano, numa entrevista antes de um amistoso entre as seleções de Brasil e Espanha, fez um contundente desabafo, dizendo-se cada vez mais triste e com menos vontade de jogar. Vítima recorrente de ataques racistas, Vini Jr. passou a ser alvo também da imprensa espanhola, mas não se intimidou. “Farei dez vezes se for preciso”, afirmou no final do ano passado, ao ser preterido no troféu Bola de Ouro.

A determinação dos atletas pela defesa de sua dignidade parece, enfim, estar alcançando seus clubes. A atitude da diretoria do Palmeiras é uma prova disso, e a solidariedade de rivais, como São Paulo, Corinthians e Santos, também. O clube declarou, em nota oficial, que irá acionar as principais instituições do futebol mundial para exigir “tolerância zero” à competição sul-americana. Que tome de fato medidas concretas, assim como a CBF, que também manifestou indignação, mas deve passar do discurso à prática.

Pouco importa se as leis são distintas entre os países – como vem sendo alegado para justificar o fato de os torcedores paraguaios que imitaram macaco e cuspiram no jogador não correrem risco de prisão. O esporte, por excelência, é um ambiente que deve servir ao combate intransigente ao racismo, sem espaço para impunidade e, muito menos, condescendência.

Luighi mostrou convicção e firmeza em sua atitude de interromper a entrevista para cobrar a devida punição ao crime. “Até quando vamos passar por isso?”, indagou, lembrando, aos prantos, que aquele campeonato faz parte da aprendizagem dos jovens atletas. Com isso, mostrou ter mais maturidade e responsabilidade do que os velhos cartolas que fecham os olhos para o racismo em nome da manutenção de seus negócios.