Opinião | A arbitragem e o dever de revelação

A transparência é essencial para evitar questionamentos futuros que possam comprometer a validade da sentença arbitral

Por Rui Celso Reali Fragoso e Renato de Mello Jorge Silveira

Surgida no fim do século 20, a arbitragem é uma forma alternativa de resolução de conflitos, especialmente no âmbito empresarial, que se destaca por sua promessa de ser mais rápida e eficiente do que os processos judiciais. Regulada pela Lei 9.307/1996 e alterada pela Lei 13.129/2015, busca oferecer às partes uma solução mais ágil e especializada. No entanto, esse mecanismo não está isento de críticas e controvérsias, muitas vezes levadas ao Poder Judiciário, o que pode frustrar sua principal vantagem: a celeridade.

Embora a arbitragem contribua para a redução do volume de processos nos tribunais, situações em que as partes recorrem ao Judiciário, por meio de ações anulatórias, são cada vez mais frequentes. No Estado de São Paulo, por exemplo, o Tribunal de Justiça tem validado, em sua maioria, as decisões arbitrais, reconhecendo na arbitragem um instrumento legítimo de solução de controvérsias. Contudo, o sucesso da arbitragem depende diretamente da confiança das partes no processo e, especialmente, nos árbitros responsáveis pelo julgamento. E, aqui, tem-se um inegável e cada vez mais frequente problema.

Os árbitros são, em geral, profissionais altamente qualificados, com experiência como advogados, professores de Direito ou ex-membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. Além dessa qualificação, sua atuação deve estar pautada por princípios de imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição, conforme deve ser a atuação de um magistrado. Esses princípios são alicerçados no chamado dever de revelação, um elemento central para a transparência e a credibilidade do processo arbitral.

O dever de revelação exige que o árbitro informe, antes de assumir sua função, qualquer fato ou circunstância que possa levantar dúvidas justificadas sobre sua imparcialidade ou independência. Isso inclui relações pessoais ou profissionais passadas ou presentes com as partes, seus representantes, coárbitros ou advogados envolvidos na arbitragem. A revelação deve ser completa e abrangente, compreendendo até mesmo situações que, na visão do árbitro, possam parecer irrelevantes, mas que poderiam ser interpretadas de forma diferente pelas partes.

No entanto, os limites do dever de revelação se mostram, hoje, bastante questionados. De um lado, tem-se quem defenda que regras internacionais já bastariam a toda e qualquer controvérsia, mesmo em âmbito interno. De outro, há quem aproxime o dever das regras processuais, pleiteando por anulações quando a revelação não se mostrar completa. É certo que esse dever não se limita ao momento da indicação do árbitro.

Durante todo o procedimento arbitral, novos fatos que possam comprometer a neutralidade ou a imparcialidade devem ser imediatamente comunicados às partes. O conceito de “dúvida justificada” é amplo e abstrato, a exigir avaliação caso a caso, sempre com o objetivo de preservar a integridade do processo.

Não se espera que o árbitro seja um recluso ou se abstenha de qualquer relação com outros advogados ou partes interessadas. No entanto, é imprescindível que ele examine cuidadosamente se algum vínculo passado ou presente pode afetar sua independência. Mesmo relações profissionais encerradas há muito tempo não estão isentas do dever de revelação. A transparência é essencial para evitar questionamentos futuros que possam comprometer a validade da sentença arbitral, até mesmo porque poderia haver na arbitragem uma curiosa situação de suspeição não unidirecional ao árbitro, mas, sim, bipartida com as partes. Estas devem estar cientes de relações paralelas, para eventualmente suscitar suspeição aqui ou acolá.

A Lei 9.307/1996 estabelece que a sentença arbitral será nula se proferida por quem não poderia atuar como árbitro. Essa regra reforça a necessidade de o árbitro cumprir rigorosamente seu dever de revelação e agir com a máxima ética. A confiança no processo arbitral depende, em última análise, da conduta ética dos árbitros, que devem priorizar a imparcialidade e a transparência.

A arbitragem é um mecanismo interessante, fundamental e essencial para a resolução de conflitos. Entretanto, sua eficácia está diretamente ligada à credibilidade do procedimento e à confiança das partes. A grande pauta atual, atinente ao dever de revelação, se mostra, assim, mais do que uma formalidade. É uma garantia de que o processo será conduzido de forma justa e transparente. Assim, a ética, que deve ser a regra de ouro a orientar toda a atuação dos árbitros, consolidando a arbitragem como uma alternativa confiável e eficiente ao sistema judicial, se faz espelho de uma honestidade que deve ser presente aos árbitros e às partes, em verdadeira cogestão de atuar. Nesse sentido, as regras internacionais, enquanto expoentes de soft law, devem se adaptar às particularidades nacionais, vistas em termos dos conceitos de suspeição, impedimento e, por que não dizer, episodicamente em termos de falsidades pontuais na omissão de declarações necessárias sobre relacionamentos pretéritos.

Opinião por Rui Celso Reali Fragoso

Advogado, foi presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (1998-2000)

Renato de Mello Jorge Silveira

Advogado, foi presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo (2019-2024)

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