Em meio a tantas notícias trágicas na região do Oriente Médio, a decisão da Suprema Corte israelense, que barrou o fim da chamada “cláusula da razoabilidade”, deve ser saudada como uma boa notícia e um testemunho da força e resiliência do sistema democrático do país.
A decisão de manter a validade da cláusula, tomada por 8 dos 15 juízes, foi descrita como uma medida necessária para evitar “danos severos e sem precedentes às características básicas do Estado de Israel como um Estado democrático”. Essa ferramenta permite ao Supremo Tribunal israelense barrar decisões tomadas pelo Executivo ou pelo Legislativo que rompem com os estatutos legais.
A mudança fazia parte de uma série mais ampla de reformas que o governo de Benjamin Netanyahu, o mais à direita na história de Israel, visa implementar. As propostas incluem enfraquecer o poder do Supremo Tribunal de revisar ou anular leis, permitindo que uma maioria simples do Parlamento pudesse derrubar tais decisões, bem como dar maior poder ao governo na nomeação de juízes.
Em suma, a reforma judicial proposta pelo governo Netanyahu prevê modificações fundamentais na Suprema Corte, abalando a independência do tribunal, bem como um redesenho do sistema de “freios e contrapesos”, responsável pelo equilíbrio entre os Poderes.
Os valores democráticos sempre prevaleceram como um pilar da nação judaica. Isso inclui a garantia dos direitos das minorias em toda a sua diversidade, abarcando judeus e não judeus, judeus seculares e religiosos, ortodoxos, conservadores e reformistas, além de toda a variedade de expressões ideológicas e de gênero.
Especialistas de diversas áreas alertaram que se a reforma fosse aprovada, o aspecto democrático de Israel seria fortemente prejudicado, afetando negativamente a proteção das minorias, das mulheres e dos direitos humanos, além de enfraquecer a segurança nacional e a economia israelense.
A reforma judicial causou indignação e divisão generalizadas, levando por sete meses consecutivos ao longo de 2023 centenas de milhares de pessoas às ruas em protestos, que foram descritos como as maiores manifestações de rua na história de Israel.
A mobilização envolveu diversos setores da sociedade e campos políticos, incluindo trabalhadores de todos os segmentos, estudantes, professores, profissionais liberais, organizações religiosas e laicas, e reservistas do exército.
Em sintonia com os acontecimentos em Israel, vários protestos contra a reforma judicial foram organizados por entidades judaicas do campo progressista espalhadas pelo mundo. No Brasil não foi diferente. O Instituto Brasil-Israel, em parceria com a Congregação Israelita Paulista, Comunidade Shalom e Casa do Povo, entre outras entidades, organizou um protesto e elaborou uma carta aberta em defesa da democracia em Israel, contando aproximadamente com quase 3 mil assinaturas, que foi entregue em mãos ao embaixador do país em Brasília, Daniel Zonshine.
A decisão tomada pela Suprema Corte tende a minar ainda mais a confiança no governo de Netanyahu, que já estava sob pressão devido à percepção de falhas na prevenção do ataque do Hamas em 7 de outubro, incapacidade de resgatar todos os reféns israelenses levados para Gaza, ausência de um plano claro sobre o pós-guerra e erosão do apoio americano, tradicional aliado de Israel.
Outra crítica frequente ao atual governo é a aliança com partidos de extrema-direita, vista como um meio de se manter o poder, mas também como um movimento que agrava as tensões com a comunidade palestina e excluem as chances de uma solução pacífica negociada para o conflito, como atestam as desastradas declarações recentes do ministro da segurança, Itamar Ben-Gvir, sobre a remoção de palestinos de Gaza para a construção de novos assentamentos de colonos israelenses.
Não por acaso, Ami Dror, uma das principais lideranças dos protestos contra a reforma judicial, comentou recentemente: “Por favor não confundam este horrível governo israelense, o mesmo que tentou solapar a democracia no país, com a importante e necessária guerra contra o Hamas”.
Por tudo isso, este momento representa um ponto de virada significativo, reafirmando o compromisso de Israel com os princípios democráticos e a independência do Judiciário, ao mesmo tempo que destaca os desafios contínuos enfrentados pelo país em sua esfera política interna e externa.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL; E DOUTORA EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS E ASSESSORA ACADÊMICA DO INSTITUTO BRASIL-ISRAEL