O mundo da inteligência artificial (IA) tem sido foco de debate recente, particularmente com os avanços apresentados pelo GPT-4. A nova versão do modelo de IA generativa demonstrou capacidades notáveis, incluindo responder a imagens e textos, programar com maior facilidade, fornecer respostas mais precisas e apresentar um desempenho surpreendente em diversos benchmarks profissionais e acadêmicos. Esses novos poderes maravilham, mas também acirram as discussões e preocupações sobre o futuro da IA.
Uma carta aberta pedindo uma moratória de seis meses na expansão de modelos de IA reuniu assinaturas de um grupo diverso contando com mais de mil pessoas, incluindo figuras influentes como Elon Musk, Steve Wozniak e Yuval Harari. Por outro lado, um artigo do cientista da computação Eliezer Yudkowsky na revista Time argumenta que a carta aberta não vai longe o suficiente e sugere que a expansão da IA seja completamente interrompida até que o problema do alinhamento da IA seja plenamente resolvido.
O medo de que inteligências não humanas possam acabar desalinhadas aos desígnios humanos é um sentimento válido. De fato, o futuro ficará muito mais estranho, com desenvolvimentos que não compreendemos completamente. Mas, para os que querem nos alertar de que o futuro do ChatGPT representa um risco existencial à humanidade, o medo do desconhecido deveria vir mais bem fundamentado.
Como o linguista Steven Pinker diz numa entrevista recente, o argumento do desalinhamento geralmente se baseia em deduções altamente especulativas, em que cada elo hipotético vai aumentando exponencialmente nossa ignorância: “Eles começam com algumas suposições e desenvolvem uma cadeia de raciocínio abstrato, inserindo uma suposição duvidosa após a outra, até acabarem muito além do território da experiência ou plausibilidade”. São suposições que ignoram, em grande parte, as nuances confusas e imprevisíveis do mundo humano e físico, bem como os conhecimentos de áreas como biologia evolutiva, psicologia cognitiva, sociologia e história da tecnologia.
Em vez de nos prendermos em especulações e apreensões reacionárias ou estacionárias, devemos nos concentrar nos resultados e nas aplicações práticas da IA. Sob esse foco, as promessas da IA para melhorar o bem-estar humano parecem imensas. Aumento da produtividade, revolução na Medicina e na Biotecnologia e superação de desafios crônicos são apenas algumas das possibilidades. A IA tem o potencial de melhorar inúmeras vidas, otimizando processos, possibilitando descobertas inovadoras e oferecendo soluções efetivas para questões globais como meio ambiente e pobreza.
Ao longo da História, muitas tecnologias revolucionárias enfrentaram oposições semelhantes. Em retrospectiva, como lembra o cientista da computação Scott Aaronson, críticos teriam nos alertado que a radiodifusão ajudaria o discurso totalitário ou que o advento da imprensa poderia incitar guerras religiosas. Embora essas tecnologias tenham gerado consequências negativas, interrompê-las teria sido um erro. No longo prazo, elas transformaram nosso mundo para melhor.
É crucial reconhecer que diferentes tecnologias têm diferentes vieses. A tecnologia do rádio, por exemplo, teve um viés centralizador, enquanto a da imprensa teve um viés descentralizador. Mas, no fundo, são ferramentas que podem solucionar problemas, além de expandir o poder criador da espécie humana. No fundo, o que a IA faz é aumentar incrivelmente o fluxo e o estoque de inteligência no mundo. Se uma sociedade não é capaz de aproveitar o poder do aumento da inteligência para o bem coletivo, o problema não está na tecnologia, mas nas estruturas sociais vigentes.
E, pensando nas diferentes estruturas sociais vigentes, talvez a maior preocupação com o futuro da IA deva ser geopolítica. Ainda que a carta aberta promova resultados entre as democracias ocidentais, o desenvolvimento de uma IA mais poderosa não é uma questão de se, mas de quando. Logo, a questão central é: quem irá liderar essa corrida?
É crucial que as democracias liberais, como a nossa, estejam na vanguarda do desenvolvimento da IA. São elas que podem moldar sua evolução para promover direitos fundamentais e preservar a dignidade e a liberdade humanas. Em contraste, regimes autocráticos podem explorar a IA para suprimir a dissidência, manipular a opinião pública e consolidar o poder. Ao permitir que o medo paralise nosso progresso, criamos inadvertidamente uma oportunidade para esses regimes nos ultrapassarem no desenvolvimento da IA, levando a um mundo em que a IA serviria a uma visão mais autoritária e distópica.
Ao olharmos para o futuro, é importante não nos deixarmos paralisar pelo medo ou pela nostalgia, mas nos movermos com curiosidade e sabedoria. Considere que, talvez, o verdadeiro desafio humano não esteja na nossa habilidade de controlar o desconhecido, mas na nossa capacidade de nos adaptarmos, aprendermos e crescermos a partir das adversidades que ele nos apresenta.
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É DIRETOR EXECUTIVO DO INSTITUTO MILLENIUM