Surgido no início do século 20 e no Brasil em 1967, o IVA, imposto indireto cobrado sobre o valor adicionado em cada etapa do processo produtivo, foi o maior invento em matéria de arrecadação. Ao longo da História, em todo o mundo, a cobrança de impostos das classes mais abastadas e, também, sobre o consumo sempre enfrentou enormes dificuldades. Entre tantas revoltas contra pagamento de tributos estão a da nobreza britânica - origem da moderna democracia -, em razão de ser obrigada a arcar com gastos de guerras, a Revolta do Chá na independência dos EUA e, aqui no Brasil, a Inconfidência Mineira e a Revolução Farroupilha.
No IVA, o empresário é o grande agente de arrecadação do Estado. É ele quem viabiliza essa maravilhosa invenção, cobra o imposto em suas vendas, abate o imposto pago nas compras e depois recolhe aos cofres públicos a diferença. Nessa engrenagem, os contribuintes posicionados em meio às cadeias produtivas se tornam, também, fiscais auxiliares. Enquanto o IVA pode suportar alíquotas altíssimas, de 20% ou mais, nos impostos “em cascata”, uma alíquota de apenas 5% é inviável no caso de longas cadeias produtivas, pois, além da absurda carga final, força a verticalização de empresas e desestimula a especialização com a consequente perda de eficiência.
O coroamento dessa invenção foi transformar o consumo das famílias na grande fonte de arrecadação, sem qualquer enfrentamento com as classes de renda mais alta, sem os altos custos com aparelhos oficiais de arrecadação, sem revolta dos verdadeiros pagantes. E aqui fomos bem mais longe, um país que sempre teve nas exportações sua grande fonte de renda até permitiu eliminar os respectivos impostos e, também, reduzir a tributação sobre a propriedade a níveis irrelevantes.
Foi possível alimentar um aparelho estatal mastodôntico altamente ineficiente, com severas deficiências na segurança, Justiça, saúde, enfim, em todos os serviços públicos. Melhorias na infraestrutura rodoviária somente com a cobrança de pedágios. Nosso Congresso é o segundo mais caro do mundo, perde apenas para os EUA. Nossa Justiça, também, é das mais caras, custa mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto nos principais países da Europa não atinge 0,5%.
A atual reforma dos tributos sobre o consumo representa a consolidação e ampliação dessa espécie de tributação. Os dois novos IVAs, IBS e CBS, incluirão todos os serviços, definidos como tudo que não é mercadoria. Embora não admitido publicamente, seus mentores constataram que a atual tributação dos serviços é muito branda – 5% de alíquota máxima – e que a transferência para esferas superiores poderia elevá-la em muito. Com uma alíquota padrão de 26,5%, a reduzida em 60% vai significar 10,6%. Aliás, a distância entre o poder tributante e o contribuinte sempre facilitou tributações mais pesadas.
Outra consequência dessa maior concentração em mãos dos Estados e da União é o reforço da missão precípua do prefeito: gastar, e gastar sem qualquer desgaste resultante da respectiva cobrança do imposto. Missão cada vez mais “sobrecarregada” pelas emendas parlamentares. O resultado não poderia ser outro, os escândalos trazidos a público pela imprensa se avolumam e se tornam cada vez mais graves. Cumpre-se aquela velha regra: gasta-se facilmente tudo aquilo que se ganha sem esforço.
O sucesso da tributação indireta foi de tal ordem que, além da progressividade do nosso Imposto de Renda ser ridícula – quem recebe seis salários mínimos já sofre a incidência da alíquota máxima –, o Imposto de Renda sobre os dividendos, principal rendimento dos super-ricos, em sua grande parte foi transformado em Imposto sobre o Consumo, ou seja, é pago mais pesadamente pelas camadas menos favorecidas, aquelas que consomem 100% de sua renda.
Nessa perspectiva, o Imposto de Renda cobrado diretamente do cidadão representa apenas 15% da Carga Tributária Bruta (CTB), os tributos sobre a propriedade, pouco mais de 5%, e a tributação sobre o consumo, mais de 75%.
Se a CTB média de 33% do PIB já é elevada, pois se iguala à de países desenvolvidos onde os serviços públicos são excelentes, é brutal se for considerada a desmedida desigualdade social, especialmente, em relação à classe média baixa. Verdadeiro sufocamento de cerca de 70% da população que, no máximo, consegue satisfazer suas necessidades básicas, portanto, longe de um consumo mais consistente.
Todavia, a miséria do povo é tida como alheia aos governos, ao sistema tributário e à gastança correspondente. Apoiados em amplas campanhas publicitárias, são montados grandes programas caritativos dirigidos às camadas mais vulneráveis da população, o que resulta forte apoio dos destinatários e aplauso generalizado de políticos, pois demostram a magnanimidade dos governantes.
A enorme concentração da carga tributária no consumo transfere para a arrecadação os aumentos de preços desses mesmo bens e serviços. Os resultados do governo federal em 2024 escancaram essa situação: enquanto a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu 4,83% e a do grupo alimentos e bebidas, 7,69%, o aumento da arrecadação federal chegou a 9,62%.
Enfim, o governo como um todo é um irrefreável gastador e, nessa qualidade, o grande sócio do processo inflacionário e o maior entrave ao desenvolvimento econômico-social sustentável.
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ECONOMISTA, É AUDITOR FISCAL DA RECEITA ESTADUAL DO RIO GRANDE DO SUL APOSENTADO