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Opinião | Afasta de ti esse cálice

Por JOSÉ SERRA

Em 2010 foi aprovada a Lei do Pré-Sal, ardorosamente defendida pela então ministra e candidata Dilma Rousseff. A nova legislação obrigou a Petrobrás a ser operadora única do pré-sal e bancar ao menos 30% dos investimentos de cada um dos campos a serem licitados, sem exceção. Como a empresa foi asfixiada durante a era petista – sua dívida atinge hoje R$ 500 bilhões! –, não terá tão cedo condições de desempenhar esse papel. O País seguiria perdendo investimentos, produção, receitas de bônus de assinatura, royalties e deixando de gerar empregos.

Por isso mesmo apresentei logo no início de meu mandato no Senado projeto de lei (PLS 131) para liberar a Petrobrás dessa obrigação que atrapalha sua recuperação e prejudica a retomada do crescimento do País. Se aprovado, a produção do pré-sal poderá ser ampliada por investidores privados, dentro das regras vigentes. A Petrobrás manteria direito de preferência nos casos em que, eventualmente, manifestasse interesse. O PL substitui o ônus da obrigação pelo bônus da escolha.

Por incrível que pareça, nossa proposta despertou reações ruidosas nas franjas jurássicas da esquerda. Apesar de desafinada, ela parece ter conquistado o maior poeta de nossa música, Chico Buarque. Quando foi jogar futebol com o pessoal do MST, foi informado pelo comissário Stédile, portador da espontaneidade dos apparatchik, sobre o projeto no Senado “que quer privatizar a Petrobrás e com isso (nos fazer) perder os royalties para a saúde e a educação”. Ao que Chico teria proclamado: “O petróleo é nosso!”.

Sim, “o petróleo é nosso” – a boa insígnia do passado aviltada como grito de guerra dessa mescla de partido e sindicatos que vem arruinando a empresa. Sim, o petróleo deve voltar a ser nosso e a Petrobrás deve deixar de ser a PTbrás.

A seguir, quatro verdades sobre o PLS 131 que a esquerda patrimonialista tenta esconder.

O projeto não mexe no regime de partilha. O Brasil tem hoje três regimes de exploração do petróleo: a concessão, nas áreas licitadas no pós-sal e em terra, antes de 2010; a partilha, para as áreas do pré-sal licitadas a partir de 2010 (o único campo já licitado foi o de Libra, em 2013, que só deverá entrar em produção em 2020); e a cessão onerosa, que decorreu da capitalização da Petrobrás pelo Tesouro em 2010, quando a empresa adquiriu o direito de explorar 5 bilhões de barris. Pois bem, o PLS 131 não mexe em nada disso. Os três regimes serão mantidos e continuarão a coexistir.

O projeto deixa 100% do controle do pré-sal nas mãos do poder público brasileiro. Dizer que as empresas estrangeiras vão tomar o pré-sal é o tutu marambá que os marmanjos jurássicos usam para criar sobressalto no coração das gentes. Mas no regime de partilha e no de concessões já é autorizada a participação dessas empresas. Tal diretriz corresponde exatamente ao fim do monopólio de exploração pela Petrobrás, promovido em 1997, cujos benefícios para o País foram imensos. De 1997 a 2010 a produção da Petrobrás cresceu 2,5 vezes, de 800 mil para 2 milhões de barris/dia!

Mais ainda, os adversários do projeto escondem que a Lei da Partilha dá ao chefe do Executivo a prerrogativa de conceder à Petrobrás – sem licitação e por decreto – a exploração de qualquer campo, se for do interesse nacional. Reafirmo: se for descoberto um novo Kuwait no pré-sal, sua exploração poderá ser concedida diretamente à Petrobrás.

Tampouco dizem que uma empresa estatal, a Pré-Sal Petróleo S/A, estará presente nos consórcios que venham a explorar os campos licitados. Ela controla os aspectos relevantes da produção. E se isso for pouco, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) continua com todos os seus vastos poderes.

O projeto permite o aumento da receita de royalties para a educação e a saúde. O ministro da Educação disse que nosso projeto reduziria o repasse de recursos para o setor! É uma filosofia barata auxiliando o poeta a ser indiferente aos fatos. Como na letra de Noel Rosa, já cantada por Chico, o ministro finge ser rico de royalties para ninguém dele zombar, mas não tem dinheiro nem para pagar as contas do ProUni. É mentira que a educação e a saúde perderiam dinheiro com a aprovação do PLS 131. Ao contrário, se este virar lei, ampliará os royalties e as participações destinadas aos dois setores, pois vai aumentar a produção.

Aliás, sobre o tema royalties/educação, vale lembrar que, neste ano, o Orçamento federal autorizado para a educação é de R$ 112,7 bilhões, dos quais somente R$ 1,2 bilhão foi executado até o momento com recursos de royalties. Um desmentido ao oba-oba petista sobre suas proezas na área.

Segundo a recente revisão do plano de negócios da Petrobrás para 2015-2019, feita pela nova diretoria nomeada pela presidente Dilma, a empresa deixará de produzir 1,4 milhão de barris/dia em relação à meta do plano anterior. Se o PLS 131 ensejar a recuperação dessa produção, vai gerar receitas para a educação da ordem de R$ 20 bilhões anuais.

O projeto não altera o potencial de receita do pré-sal. Os intelectuais do MST afirmam o contrário, lembrando o “tudo aquilo que o malandro pronuncia e o otário silencia”, da Festa Imodesta de Caetano Veloso que Chico costumava cantar. Dizem que o custo da Petrobrás no pré-sal é de US$ 9 por barril de óleo equivalente (boe) e que o custo de outras petroleiras seria muito maior. Nove dólares? Isso é falso. Pelos dados da ANP, o custo no campo de Lula está em US$ 15,7 por boe. No campo de Sapinhoá, o custo médio é de US$ 14 por boe.

Toda a política de exploração do pré-sal chegou a um impasse manicomial devido à disputa sobre quem iria usufruir seus benefícios, sem nunca decidir sobre como fazê-los acontecer. Essa síndrome se repetiu em todos os investimentos da era petista – infraestrutura, mobilidade urbana, energia, etc. Quem pagou o pato foi a economia e quem sofre as consequências é a sociedade, hoje assombrada pelo desemprego, pela queda de renda das famílias e pelo pessimismo quanto ao futuro do País.

Pior: continuam oferecendo essa receita ao Brasil. Que a sociedade afaste de si esse cálice.

* JOSÉ SERRA É SENADOR (PSDB-SP)