A morte é um evento universal que ocorre para todos os seres vivos, independentemente da espécie, gênero, raça, cultura, crença, classe social ou período histórico. Nenhum indivíduo escapa do ciclo de nascimento, envelhecimento e falecimento.
Mas enterrar os mortos é uma prática exclusiva da humanidade. Desde as sociedades mais antigas, os enterros têm sido mais do que uma simples disposição do corpo, já que refletem a interação entre os vivos e os mortos, consolidando a identidade social e cultural de um grupo.
Os sepultamentos são essencialmente atos sociais, pois envolvem a coletividade, simbolizam laços comunitários e expressam valores culturais e emocionais compartilhados. Os rituais funerários, como velórios, procissões ou cerimônias religiosas, permitem que as pessoas participem ativamente do processo de despedida, reafirmando seus laços entre si.
Os enterros podem ter começado para evitar a decomposição dos corpos à vista, protegendo as pessoas e a comunidade de odores, doenças ou ataques de animais. Assim, provavelmente, os primeiros sepultamentos refletiram o cuidado em isolar os mortos do ambiente imediato. Mas, também, enterrar um corpo é uma maneira de demonstrar respeito pela pessoa que faleceu. Um gesto de humanidade, respeito e cuidado.
Enterros ajudam a preservar a memória de quem partiu. Isso pode envolver túmulos com inscrições, objetos pessoais ou até mesmo sepulturas monumentais (como pirâmides ou mausoléus). Marcam o pertencimento do falecido a uma comunidade ou grupo, criando uma continuidade entre gerações. Para os vivos, o ato de enterrar pode ajudar a processar emocionalmente a perda.
Porém, os cemitérios, especialmente os tradicionais, podem causar diversos problemas ambientais devido à maneira como os corpos são enterrados, aos materiais usados nos sepultamentos e à infraestrutura dos próprios cemitérios. Esses impactos afetam o solo, a água, a atmosfera e os ecossistemas ao redor.
Em cidades densamente povoadas, os cemitérios geralmente substituem áreas verdes ou agrícolas e a falta de espaço para novos sepultamentos leva à superlotação dos cemitérios, o que intensifica problemas como contaminação do solo e da água, além de aumentar a emissão de gases de efeito estufa.
Portanto, o processo de sepultamentos é um fato social e ambiental, sendo que o crescimento populacional ao longo da História aumentou as preocupações ecológicas. Fato é que a população mundial e brasileira continua crescendo, junto com a urbanização, e o número de óbitos cresce mais rápido do que o ritmo de aumento demográfico.
Segundo a Divisão de População da ONU, o número global de mortes no século 20 foi 4,8 bilhões, e as estimativas para o século 21 são de 9 bilhões de óbitos (quase o dobro). Para o Brasil os números são 90 milhões de óbitos no século 20 e 215 milhões de óbitos no século 21 (mais do que o dobro). Até o ano de 2023, o número de pessoas que morreram no mundo foi 62 milhões, e, no Brasil, 1,5 milhão.
Portanto, a demanda por sepultamentos é elevada e os cemitérios tendem a ocupar áreas maiores, disputando espaços urbanos e impactando de diferentes maneiras o meio ambiente.
Diante do crescimento da demanda e das inconsistências das construções funerárias, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) criou a Resolução Conama 335, buscando regulamentar a adequação dos cemitérios como forma de mitigar os efeitos da contaminação ambiental sobre a natureza e a população, tornando essencial o licenciamento ambiental dos cemitérios.
Nesse cenário, as atividades de sepultamento demandam uma operação rigorosamente planejada e monitorada. Que garantam condições adequadas de controle para evitar a liberação de gases ou odores que comprometam a qualidade do ar. Além disso, é essencial o manejo apropriado de resíduos infectantes, de forma a prevenir a contaminação do solo, das águas e do próprio ambiente atmosférico.
A modernização dos cemitérios desponta como uma estratégia crucial para a adoção de tecnologias sustentáveis e métodos de sepultamento alinhados à preservação ambiental. A eliminação de covas rasas, em que os sepultamentos das urnas ocorrem diretamente na terra, em especial, é uma medida urgente e indispensável, pois contribui para a proteção da saúde pública, a segurança ambiental, o respeito à dignidade humana e a promoção da sustentabilidade urbana. Essa necessidade é particularmente relevante em São Paulo, a cidade mais populosa da América Latina, onde os desafios ambientais e urbanos são ainda mais acentuados e até 2023 ainda existia essa prática de enterramento direto no solo, sem a proteção das gavetas de concreto.
Não se pode pensar em voltar atrás nesse avanço conquistado. Os enterros sustentáveis são uma necessidade urgente e indispensável para o presente e para o futuro. Cemitérios ecológicos estão se consolidando como uma das principais tendências do século 21, pois aliam a demanda por sepultamentos à preservação ambiental. Além disso, eles funcionam como verdadeiras reservas naturais, contribuindo para a recuperação de ecossistemas e promovendo equilíbrio ambiental.
A implementação de práticas de sepultamento que sejam socialmente acessíveis e ambientalmente sustentáveis representa não apenas uma resposta aos desafios contemporâneos, mas também uma solução de longo prazo. Essa abordagem visa a estabelecer uma relação permanente e harmoniosa entre a morte e a natureza, refletindo o compromisso com a dignidade humana e a conservação do planeta.
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DOUTOR EM DEMOGRAFIA, É PESQUISADOR APOSENTADO DO IBGE