Espaço Aberto

Beto Mesquita

Colunista convidado

Boa notícia na Amazônia, mas com cautela

Queda no desmatamento pode ser cartão de visita na COP climática, mas esconde um desafio ainda maior

exclusivo para assinantes
Por Beto Mesquita
3 min de leitura

A queda no desmatamento da Amazônia anunciada pela ministra Marina Silva estende um tapete vermelho para a delegação brasileira na COP 28, que ocorre em dezembro em Dubai. Foram 133 milhões de toneladas de carbono equivalente que o Brasil deixou de emitir apenas com a queda no desmatamento da Amazônia – o que reforça a importância de preservarmos esse bioma para o alcance de nossas metas climáticas. A prosseguir nesse ritmo, o Brasil terá plenas condições de apresentar metas de redução das emissões ainda mais ambiciosas e alinhadas com o desafio de manter o aumento da temperatura média do planeta dentro do limite de 1,5 grau Celsius.

Os efeitos iniciais do fenômeno El Niño deste ano têm nos forçado a experimentar o que significa um mundo mais quente. No campo, os produtores sabem exatamente como cada décimo de grau faz diferença, pois poucas atividades econômicas são tão dependentes do clima como a agropecuária.

Junto com a redução das emissões, o Brasil e o mundo precisam avançar em medidas de adaptação, como a ampliação do plantio de árvores integradas com agricultura e pastagens, o desenvolvimento de sementes mais resistentes a secas e a maior disseminação de técnicas de manejo de solo que reduzam a erosão e as emissões decorrentes da movimentação da terra.

Na pecuária – e em todas as atividades que emitem metano – há oportunidades de ganhos no curto prazo, tão necessários para reverter a curva das emissões. Sem falar na necessidade de amplificar a escala da restauração de ecossistemas para recuperar a vegetação nativa, especialmente nas áreas de preservação permanente – margens de rios e nascentes, encostas e topos de morros – e nas áreas de Reserva Legal.

Neste contexto, as informações atualizadas sobre a taxa de desmatamento na Amazônia trazem duas boas notícias e uma muito preocupante. A primeira boa notícia é a efetiva queda nos índices de desmatamento na Amazônia: 22,3%, em relação aos 12 meses anteriores. A redução foi observada, inclusive, em Estados onde este índice avançou nos últimos anos – caso, entre outros, do Amazonas (que registrou agora uma queda de 40% no desmate) e de Rondônia (42%). Dos Estados da Amazônia Legal, o único que apresentou aumento foi Mato Grosso, de 9%, o que demanda uma atenção especial, para compreender quais vetores estão contribuindo para essa situação.

A segunda boa notícia é que os números comprovam que a redução na taxa de desmatamento não se deu de maneira aleatória. Os dados indicam que a queda da devastação da floresta é consequência de um conjunto de ações que vêm sendo tomadas pelos governos federal e estaduais. Prova disso é que a redução do desmatamento foi maior do que a média nos 70 municípios do bioma onde as taxas eram mais altas e que concentraram mais de 73% de toda a perda da cobertura vegetal do bioma no período anterior. Há, portanto, uma operação articulada e bem-sucedida em curso, seguindo uma acertada estratégia de priorizar as regiões onde o problema era mais agudo.

Além disso, o cancelamento de inscrições no Cadastro Ambiental Rural (CAR) em terras indígenas e em florestas públicas não destinadas tem sido uma medida fundamental para mostrar a força do comando e do controle. Outras ações, tão efetivas quanto essas, também foram adotadas, a exemplo do aumento do embargo de áreas com desmatamento, a destruição de maquinários utilizados em crimes ambientais, a apreensão de gado em terras indígenas, além da desintrusão de garimpeiros e outros invasores. Todas são medidas que estão surtindo efeito.

No entanto, a terceira notícia dada por Marina Silva é muito preocupante. Tem relação com o desmatamento e a degradação florestal acumulados ao longo dos últimos anos, o que deixa essas áreas ainda mais vulneráveis às queimadas. Para agravar o quadro, temos a perspectiva de um super El Niño em 2024. Essa combinação de fatores aumenta em muito a vulnerabilidade da Amazônia, especialmente aos incêndios.

A situação que vimos há alguns dias em Santarém e em Manaus, quando uma onda de fumaça cobriu as duas cidades e tornou o ar irrespirável, pode se repetir e, infelizmente, ser ainda mais comum no ano que vem. Para evitar esse cenário e preparar-se melhor para lidar com os efeitos do El Niño, o governo precisa reforçar sua articulação com os Estados e também com os municípios, para enfrentar a situação de forma incisiva e, sobretudo, coordenada.

Já tivemos provas suficientes com as condições climáticas deste ano: o recado da natureza foi claro e não deixa dúvidas. Precisamos persistir na meta do desmatamento zero e alavancar todos os esforços possíveis para restaurar as áreas críticas. Há mais de 11 anos o Brasil tem um marco legal que prevê as obrigações, as responsabilidades e também os incentivos para essas ações. Trata-se da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, mais conhecida como Código Florestal. Da sua efetiva implementação resultarão nossa resiliência climática, segurança hídrica e oportunidades de trabalho, renda e empreendedorismo com base na bioeconomia.

*

ENGENHEIRO FLORESTAL, É MEMBRO DA COALIZÃO BRASIL E DIRETOR DE FLORESTAS E POLÍTICAS PÚBLICAS DA BVRio