Um dos cinco novos santos, canonizados pelo papa Francisco no dia 13 de outubro passado, é o cardeal John Henry Newman, nascido em Londres em 21 de fevereiro de 1801 e falecido em Birmingham no dia 11 de agosto de 1890. Era de fé anglicana, observante rígido das tradições de sua comunidade religiosa, identificada com a nacionalidade e a cultura inglesas. Tornou-se sacerdote anglicano. Chegou a ser professor em Oxford e revelou sua capacidade intelectual em seus escritos e sua oratória.
Aos 44 anos de idade e com a vida já estabelecida, ele atravessou uma crise profunda em suas convicções anglicanas e então se dedicou à pesquisa das bases católicas da doutrina anglicana. Publicou uma obra sobre o desenvolvimento da doutrina cristã, no qual expôs as raízes católicas do anglicanismo. Estudando os mestres da Patrística, grandes teólogos e pregadores dos primeiros séculos do cristianismo, identificou-se com os ensinamentos da Igreja Católica e a ela se converteu em 1845.
Ao dar esse passo ainda não sabia como ficaria sua condição na comunidade católica da Inglaterra, por sinal, muito reduzida e sem projeção social ou cultural naquela época. Nada disso, porém, fez mudar sua profunda orientação pela busca da verdade e a consequente coerência com ela. A adesão à Igreja Católica, de fato, custou-lhe grandes incompreensões e sofrimentos, incluída a perda do prestígio de líder reconhecido da Igreja da Inglaterra e professor na Universidade de Oxford. Desapegado do conforto que a popularidade traz, seguiu fazendo o que considerava verdadeiro e justo.
Em Roma foi recebido pelo papa Pio IX, que também lhe conferiu a ordenação como sacerdote católico, enviando-o de volta à Inglaterra para desempenhar lá a sua missão. Com seus escritos e pregações, Newman, aos poucos, superou os preconceitos de que foi alvo por causa de sua adesão à fé católica. Publicou várias obras, nas quais sempre manteve uma posição dialogal com quem tivesse convicções diversas das suas. Sua busca apaixonada pela verdade crescia e se aprofundava sempre mais, levando-o a enfrentar temas difíceis, como o diálogo entre fé, ciência e a cultura do seu tempo. Estava convencido de que não podia haver verdadeiro conflito entre religião e ciência, uma vez que a verdade não pode ser contrária à verdade. Tratou também da questão, nem sempre fácil, das razões de crer de quem tem fé em Deus. Incentivou os jovens ao estudo e fundou a Universidade Católica de Dublin, na Irlanda. Incentivou os cristãos leigos a participarem das responsabilidades da vida e da missão da Igreja.
Em 1879, o papa Leão XIII nomeou-o cardeal, um gesto de reconhecimento por sua extraordinária contribuição para o diálogo católico com as realidades da cultura, da ciência e da sociedade na segunda metade do século 19. Ao falecer, em 1890, Newman tinha conquistado a admiração de católicos e anglicanos, na Inglaterra e na Europa. Foi um homem de grande virtude e de largos horizontes culturais; sua vida e suas obras continuam a interessar a muitos estudiosos também em nossos dias. Em muitos aspectos, pode-se dizer que Newman foi um precursor das reflexões e das tomadas de posição da Igreja Católica no Concílio Vaticano II, realizado 70 anos após a sua morte.
Em 19 de setembro de 2010, o papa Bento XVI beatificou-o durante sua visita à Inglaterra. Em artigo publicado às vésperas da beatificação, Tony Blair, então primeiro-ministro da Inglaterra, definiu Newman como “um homem de consciência”, que não trocou jamais a verdade por bem-estar, sucesso e prestígio. Newman ensinava que todos devem seguir com fidelidade a luz tênue da verdade que se manifesta através da consciência, dedicando-se à procura da verdade. Como homem de cultura e intelectual humanista, Newman opunha-se à tendência crescente de considerar a religião como um fato puramente privado e subjetivo, ou uma questão de opinião pessoal. Combatia o relativismo intelectual e moral, que enfraquece os fundamentos da cultura e do convívio social.
Para Newman, o homem é capaz de conhecer a verdade e por ela encontra sua verdadeira liberdade e a realização das aspirações humanas mais profundas. Bento XVI descreveu-o como “um homem apaixonado pela verdade e pela honestidade intelectual”, atitudes que cobram muitas vezes um pesado preço de coerência, de renúncias e também de sofrimentos. Por certo não se tratava da verdade obtida pelo consenso fácil nas pesquisas de opinião... Para o cardeal inglês, proclamado santo pelo papa Francisco, a adesão à verdade não foi um frio ato intelectual, sem consequências na vida, mas o levou a escolhas e atitudes coerentes e lhe deu uma grande liberdade interior para dialogar com todos na busca árdua e aprofundada da verdade que liberta.
O papa Francisco tem mostrado especial afinidade com o pensamento do novo santo inglês. Na exortação apostólica Evangelii Gaudium, seu primeiro documento publicado no mesmo ano de sua eleição (2013), o papa sinalizou para o risco de uma “desertificação espiritual” da cultura e da vida social no Ocidente, quando se pretende extirpar delas as contribuições religiosas e cristãs e se quer edificar um mundo sem Deus. Newman escrevia em 1833, ainda na sua fase anglicana: “O mundo cristão está se tornando estéril e se esgota, como um solo exaurido que se transforma em areia”.
Na ocasião da canonização, na Praça de São Pedro, estiveram presentes diversas autoridades da Igreja Anglicana, além do próprio príncipe Charles, herdeiro do trono da Inglaterra, onde o monarca reinante também é a autoridade máxima da Igreja Anglicana. Foi um sinal eloquente do apreço que ambas as Igrejas e o mundo civil continuam tributando ao cardeal Newman, novo santo da Igreja Católica.
*CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO