Em poucos dias o País vai às urnas para o primeiro turno das eleições municipais. Trata-se de um pleito marcado por peculiaridades importantes. A primeira é que ocorre em meio a uma pandemia agoniante e terrível nos planos sanitário e socioeconômico, exigindo novos protocolos num dos momentos mais desafiantes para as atuais gerações.
Estamos testemunhando o fim das coligações proporcionais, o que deve mudar o quadro partidário nacional, algo necessário e urgente. Há ainda o aumento da inserção de movimentos cívicos. O voto é importante, mas não se encerra aí a participação da sociedade civil. Nestas eleições podemos destacar candidaturas oriundas de iniciativas dedicadas a estimular e formar jovens para o mundo da política, como o Livres, o Raps e o RenovaBR.
Só a partir do RenovaBR se colocaram 1.032 candidatos, sendo 115 a prefeito, filiados a 29 dos 33 partidos brasileiros, em 398 cidades de todos os Estados. É um esforço para preencher o enorme vazio de lideranças no nosso país. A esperança é que os partidos se inspirem e assumam também a formação de novos quadros.
Além dessas peculiaridades do pleito, vale destacar que os gestores vão encontrar um quadro desafiador, agravado pela pandemia, mas não causado exclusivamente por ela. Mesmo antes da covid-19 a capacidade das prefeituras de ofertar serviços e obras já vinha sendo velozmente reduzida. As despesas obrigatórias, que crescem muito mais que o País, vêm esmagando as despesas discricionárias, limitando a possibilidade de construir escolas, unidades de saúde, praças, ruas, etc.
Não vai ser fácil, mas sempre há um caminho, que pode ser efetivamente construído com racionalidade, trabalho incessante e devoção ao interesse comum. Nessa direção, vejo seis passos decisivos, além do básico, que contempla equipes que combinem diversidade, boa técnica e boa política, ferramentas modernas de gestão e planejamento estratégico.
O primeiro passo é a digitalização, que, além de promover o encontro do modus operandi da burocracia com o modus vivendi da sociedade, torna viável a constituição de uma cidade conectada. Com inteligência artificial podemos efetivar uma verdadeira revolução na qualidade de vida, incrementando serviços de educação, saúde, mobilidade urbana e segurança, entre outros.
Um segundo passo é a opção preferencial por investimento nas oportunidades da “economia verde”, com vista a uma cidade sustentável, incluindo desde questões de saneamento até transporte público sem combustíveis fósseis, passando por incubadoras de negócios amigáveis ao meio ambiente.
As chances da economia criativa, incentivando as expertises e as culturas locais, e da nova economia de base tecnológica, com incremento de startups e fintechs, por exemplo, constituem um terceiro passo em direção à inovação e à inclusão como fundamentos da vida produtiva dos municípios.
Nessa caminhada, outro passo decisivo é a atração de investimentos privados. Além de dialogar com todos os pontos anteriores, a parcerias são fundamentais para avançarmos em áreas como saneamento e iluminação pública. As concessões de limpeza urbana e destinação adequada de resíduos são outra frente de parcerias.
Também no caminho da convergência de forças, outro movimento nos leva às organizações do terceiro setor. Em vez de ficar reinventando a roda, a saída é difundir boas políticas públicas já testadas e aprovadas. Há oportunidades na educação (Todos pela Educação, Instituto Ayrton Senna, etc.), na saúde (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde – IEPS), na segurança (Igarapé) e em gestão pública (Comunitas), entre outras.
Um sexto passo importante é identificar desperdícios e, com o seu combate, obter meios para melhorar a oferta de obras e serviços. A partir de minha experiência, posso afirmar que os ralos que consomem os limitadíssimos recursos públicos são gigantescos.
Sobre esta eleição, também merece destaque a necessária ampliação da agenda do poder local. A segurança pública tem de entrar de vez na pauta das prefeituras e câmaras municipais. É preciso, ainda, que as lideranças eleitas participem do debate das reformas estruturantes, como a PEC emergencial e a reforma administrativa, que precisa alcançar os atuais servidores, melhorando as condições de governabilidade e a conexão entre poderes públicos e interesses dos cidadãos.
Aos novos líderes institucionais dos municípios cabe uma pergunta: que vocação essencial se deve dar às cidades, ainda mais considerando desafios e aprendizados tão ímpares pautados pela pandemia? Uma inspiração assertiva e valiosa é dada pelo arquiteto dinamarquês Jan Ghel, para quem é possível “um novo planejamento que diz que a cidade deve ser para as pessoas”.
O objetivo essencial da república é a vida plena para todas e todos, sendo a cidade – do latim civitas, lugar de cidadãos – o ícone de sua efetividade. Que estas eleições sejam, pois, mais um passo para fortalecer os valores humanísticos e democrático-republicanos entre nós, exatamente onde vive o cidadão, no território em que efetivamente deve vicejar a cidadania, os municípios.
* ECONOMISTA, PRESIDENTE EXECUTIVO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE ÁRVORES (IBÁ), MEMBRO DO CONSELHO DO TODOS PELA EDUCAÇÃO, FOI GOVERNADOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (2003-2010 E 2015-2018)