Opinião | Como limitar a litigância predatória?

Uma vez apurado o abuso, o magistrado deve ponderar se é o caso de aplicação de sanções processuais à parte ou a seus patronos

Por Alex Hatanaka

O tema do abuso em processos judiciais não é recente, mas a expressão “litigância predatória” tem permanecido sob os holofotes nos últimos tempos, muito em virtude de seu impacto sobre o já sobrecarregado Judiciário brasileiro. A litigância predatória, em síntese, se caracteriza pela utilização abusiva do Poder Judiciário, pelo litigante ou por seus advogados, para propor demandas que visem a vantagens indevidas.

É importante ponderar que as medidas para conter esse comportamento não devem limitar a defesa de direitos legítimos, tampouco restringir o correto exercício da advocacia. Contudo, diante da constatação do abuso, há que tomar providências mais efetivas, sob pena de maior proliferação da conduta. Para compreender a dimensão do problema, a Rede de Inteligência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresenta a estarrecedora estimativa de que cerca de 2,8 milhões de ações no País versam sobre litígios irreais.

Foi nesse contexto que o CNJ editou a Recomendação n.º 159/2024, para orientar os magistrados na identificação, tratamento e prevenção da litigância predatória. Por meio de um mapeamento dos 143 julgados de tribunais estaduais que mencionam a Recomendação n.º 159, desde sua edição até o fim de 2024, apurou-se que os principais comportamentos são a atribuição de elevado valor à causa sem justificativa, o ajuizamento de ações sem provas estruturais, requerimentos de justiça gratuita sem fundamento, o fracionamento de pretensão em múltiplas demandas, emprego de procuração sem firma reconhecida, desatualizada ou genérica e o uso do Judiciário sem antes o autor ter buscado uma composição com a outra parte.

Sobre o tema, ainda, em março, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento do Tema Repetitivo 1.198 (Recurso Especial 2.021.665/MS), fixando a tese de que, diante de indícios de se tratar de demanda abusiva, o juiz pode, de modo fundamentado e razoável, exigir que a parte autora emende a petição inicial a fim de demonstrar seu interesse em agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras da distribuição de ônus probatório.

Uma questão interligada que chama a atenção é o uso da assistência judiciária gratuita. Como se sabe, a Lei n.º 1.060/50 assegura o acesso à justiça a qualquer pessoa que não tenha condições de arcar com os custos de um litígio. A declaração de hipossuficiência, em geral, é o bastante para o deferimento do benefício, que garante a representação por defensor público ou advogado dativo e a dispensa de arcar não só com as custas e despesas judiciais, mas também com o ônus sucumbencial, ou seja, o dever da parte sucumbente – a que perde – de reembolsar as custas e despesas judiciais incorridas pela outra parte e pagar os honorários advocatícios da parte adversa, que podem chegar a 20% do valor em disputa.

Não há dúvida de que essa prerrogativa é fundamental para a promoção de justiça social, mas seu uso vem sendo repetidamente desvirtuado no contexto da litigância predatória. No mapeamento antes mencionado, constatou-se que, dentre os 143 acórdãos pesquisados, em 97 deles (67,8%) o benefício da justiça gratuita foi pleiteado e deferido, em casos que depois foram reconhecidos como litigância predatória. Embora os magistrados pudessem decidir pela revogação da gratuidade da justiça, isso ocorreu somente em sete casos isolados (4,9%).

Não bastasse, em muitos desses casos, invoca-se a proteção do Código de Defesa do Consumidor para reivindicar a inversão do ônus da prova, o que transfere a incumbência de provar os fatos alegados para o fornecedor de serviços ou produtos.

Com isso, o Poder Judiciário se torna palco de demandas que podem gerar ganhos expressivos em caso de procedência ou, mesmo, acordo, mas que, de outro lado, não oferecem quaisquer riscos de perdas financeiras, mesmo em caso de improcedência ou extinção. Mais ainda, uma eventual inversão do ônus da prova pode resultar no acolhimento de um pleito irreal e ilegítimo, mesmo diante da ausência de provas.

É imperativo, assim, que, diante da constatação de caso de litigância predatória, as alegações, provas e circunstâncias de cada demanda judicial sejam analisadas de forma profunda, para que o magistrado decida se deve revogar a assistência judiciária gratuita e, por consequência, condenar a parte no pagamento do ônus sucumbencial.

Ademais, uma vez apurado o abuso, o magistrado deve ponderar se é o caso de aplicação de sanções processuais à parte ou a seus patronos, tais como a aplicação de multa processual ou a denúncia da conduta para a Ordem dos Advogados do Brasil ou o Ministério Público.

A manutenção pelo CNJ de um controle nacional, consolidando informações sobre as partes e patronos que comprovadamente incorreram em situações de litigância predatória, seria também um instrumento valioso para os magistrados, já que essa espécie de comportamento, em geral, se repete.

Opinião por Alex Hatanaka

Advogado

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