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Opinião|Como recuperar o que o estudante brasileiro perdeu na pandemia?

Mesmo com esforços de secretarias, professores e famílias, aprendizagens prioritárias não foram garantidas, especialmente na primeira etapa do fundamental

A pandemia de covid-19 refletiu negativamente nos índices da educação no Brasil, como mostraram os resultados do último Saeb, o Sistema de Avaliação da Educação Básica, aplicado nos meses de novembro e dezembro de 2021. Os resultados ameaçam conquistas e avanços importantes que o Brasil teve na última década – os dados apontam que a aprendizagem de crianças e adolescentes regrediu a patamares encontrados em 2015 em algumas séries. Por isso, neste ano de 2023, é preciso pensar em estratégias nacionais que caminhem para uma política efetiva de recomposição das aprendizagens.

Os dados do Saeb, um dos principais instrumentos de monitoramento da educação básica, apontaram que a média em leitura e escrita para os alunos do 2.º ano do ensino fundamental despencou 24 pontos, indo de 750, em 2019, para 726, em 2021. Em Matemática, a queda foi de 9 pontos, para 741.

No 5.º ano, as médias de Língua Portuguesa e as de Matemática (quedas de 6,6 e de 11 pontos, respectivamente) regrediram aos valores de 2015, assim como o resultado dos alunos do 9.º ano em Matemática, com um declínio de 6,7 pontos. Em Português, os alunos do último ano do ensino fundamental voltaram aos índices encontrados em 2017, caindo 2,2 pontos.

As quedas refletem os desafios que o ensino a distância trouxe para a educação. Mesmo com todos os esforços de secretarias, professores e famílias, as aprendizagens prioritárias não foram garantidas, especialmente na primeira etapa do fundamental, fase de alfabetização que exige suporte maior de escola e professores. E, sem recompor o que foi perdido nos anos anteriores, crianças e jovens não conseguem avançar como deveriam, pois lhes faltam habilidades que são prioritárias para poderem seguir aprendendo. Sem saber efetuar operações simples de soma e subtração, dificilmente é possível trabalhar com potenciação de frações, por exemplo.

Na escola, o trabalho de recomposição das aprendizagens deve iniciar com uma avaliação diagnóstica, identificando quais aprendizagens não foram consolidadas e estabelecendo, a partir delas, o planejamento pedagógico. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os novos currículos devem servir de referência neste processo, ajudando professores e gestores a identificarem conhecimentos, habilidades e competências a serem desenvolvidos, a partir de um desenho nítido da progressão das aprendizagens. Os currículos devem ser repensados, para contemplar as lacunas de aprendizagens considerando os próximos anos. E pode ser necessário, ainda, oferecer um suporte extra aos estudantes, com ações de reforço, aceleração e acompanhamento individualizado, que podem ocorrer no contraturno ou por meio de recursos tecnológicos.

No entanto, é importante que as iniciativas dos professores para a recomposição das aprendizagens não sejam ações isoladas, mas integradas a uma estratégia. É preciso que os docentes sejam apoiados pelas escolas e secretarias e que a atuação deles seja um desdobramento de um plano maior, efetivo, que contemple as deficiências de aprendizagens de cada escola, de cada turma e de cada estudante. Tecnicamente, é um desafio e tanto para as redes.

Por isso é imperativo instaurar um grande debate que coloque em pauta estratégias para a recomposição das aprendizagens como prioridade para a educação em nível nacional, movimento que cabe ao governo federal. Recai também sobre o Executivo proporcionar recursos técnicos e financeiros para as redes, de forma que os estudantes mais vulneráveis e, consequentemente, mais impactados pelo fechamento das escolas recebam mais apoio.

Cabe ao governo federal, ainda, fortalecer políticas que ajudem a consolidar as aprendizagens propostas na BNCC e nos novos currículos. Entre elas, o aprimoramento do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) e o investimento contínuo na formação de professores. Além disso, assim como as avaliações locais devem ser repensadas, as nacionais, como o Saeb e o Enem, também devem sofrer mudanças para estarem alinhadas à BNCC e às diretrizes do Novo Ensino Médio.

Sabe-se que a recuperação das aprendizagens não será imediata. É uma tarefa que, com certeza, acompanhará todo o tempo de mandato do novo governo, estendendo-se ao menos até 2026. Neste período, será preciso manter um esforço contínuo e consistente para permitir que os estudantes avancem na escolarização e desenvolvam conhecimentos e habilidades imprescindíveis para a vida – tanto em nível pessoal quanto acadêmico e profissional.

A recomposição de aprendizagens demanda foco, planejamento de longo prazo, alinhamento à BNCC e garantia de recursos técnicos e financeiros às redes. E implica estabelecer um monitoramento efetivo, com avaliações e diagnósticos constantes. É um processo desafiador, porém necessário. Somente garantindo a crianças e jovens as aprendizagens é que evitaremos que as lacunas deixadas nos últimos anos se tornem grandes abismos para o avanço na educação.

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GRADUADO E MESTRE EM HISTÓRIA SOCIAL PELA UFRJ, GERENTE DE ARTICULAÇÃO E ADVOCACY DO MOVIMENTO PELA BASE, FOI SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DE CARUARU (PE)

Opinião por João Paulo Cêpa