Enquanto o Brasil assistiu, com choque e pavor, ao ataque na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, e discute as raízes do ato de um adolescente de 13 anos, é imprescindível que nossa atenção se dirija a uma etapa desafiadora da vida dos estudantes: o ensino fundamental II. Com a morte da professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, já se somam dezenas de outras vítimas fatais e feridos ao longo de duas décadas.
Antes de tecer algumas reflexões sobre os desafios de construirmos escolas que dialoguem com as necessidades dos nossos tempos, quero dedicar este texto à professora Elisabeth, também conhecida como Bete, seus familiares, educadores, funcionários e comunidade da Escola Thomazia Montoro.
Este caso nos faz um importante alerta: os anos finais do ensino fundamental ocorrem justamente no momento de transição entre a infância e a adolescência, época em que o aluno está sofrendo muitas mudanças físicas e hormonais. É o período, também, em que está fortalecendo a construção de sua identidade no mundo, consolidando sua personalidade e absorvendo a influência de suas vivências e seu círculo social. Não à toa, tem sido historicamente desafiador tornar essa etapa mais atrativa, com capacidade de atender às necessidades e ao momento de vida do aluno e oferecer apoio aos professores e gestores para lidar com as especificidades desta etapa. Uma tarefa nada trivial.
Os desafios são extensos: um currículo não adaptado a este momento de vida, pouco espaço de protagonismo para os alunos, lideranças de escolas afogadas com demandas urgentes, ausência de estratégias interdisciplinares para impulsionar o aprendizado e baixa capacidade das escolas para lidar com problemas específicos que surgem neste momento da vida. Se incluirmos diferentes contextos de estímulo à violência e escalada de extremismos, tem-se uma receita trágica de motivações e consequências para a violência nas escolas.
Antes que se dê voz e espaço a medidas extremas – como colocar policiais nas escolas permanentemente –, há um conjunto de estratégias que podem abrir caminhos na oferta de uma escola mais segura, atrativa e voltada para as necessidades dos anos finais do ensino fundamental:
1) Práticas pedagógicas adequadas à faixa etária dos alunos desta etapa, que abranjam a diversidade racial, cultural e social. Inclui adequação à realidade na qual os alunos estão inseridos, um currículo que considere as especificidades desta etapa, incentivo a metodologias de aprendizagem que abranjam a diversidade racial, cultural e social e aulas mais engajadoras e desafiadoras.
2) Escola centrada no aluno, proporcionando uma transição gradual e cuidadosa dos anos iniciais para os anos finais do ensino fundamental, garantindo o aumento do protagonismo e a diminuição da evasão. O acolhimento é parte essencial da estratégia pedagógica. Da mesma forma, o incentivo ao protagonismo juvenil, a construção de uma escola diversa, equitativa e inclusiva, além da incorporação do diálogo e da atenção às mudanças que cada aluno enfrenta nesta etapa da vida.
3) Gestores escolares e professores capacitados continuamente para atender às demandas específicas desta etapa e preparados para adotar uma abordagem antirracista. É preciso atenção ao desenvolvimento profissional de educadores em temas sobre diversidade e oferecer condições adequadas de trabalho para a sua atuação e desenho de políticas e protocolos específicos para a transição do 5.º para o 6.º ano.
São caminhos de médio e longo prazos, que exigem continuidade de políticas educacionais para evitar que episódios como este se repitam. Não prescindem de ações emergenciais, de curto prazo, como a adoção de protocolos para alertas imediatos diante de sinais e comportamentos agressivos, diálogo constante e participação da comunidade para identificar problemas e informar o poder público. Não são igualmente simples, mas urgentes. Sem estratégias de longo prazo, porém, a emergência do presente se converte em repetição de tragédias no futuro.
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GERENTE DA ÁREA DE EDUCAÇÃO NO VETOR BRASIL, FOI PROFESSOR EM ESCOLAS PÚBLICAS DA PERIFERIA DE SÃO PAULO, TEM MESTRADO EM EDUCAÇÃO SOBRE VIOLÊNCIA NA ESCOLA PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA E É DOUTORANDO EM EDUCAÇÃO PELA UNIVERSIDAD DIEGO PORTALES E UNIVERSIDAD ALBERTO HURTADO, EM SANTIAGO, NO CHILE