As Conferências das Partes (COP) sobre o Clima são um espaço de discussões estratégicas para os governos subnacionais. As negociações da COP-29 terminaram com algumas frustrações por parte dos países em desenvolvimento, já que, apesar de a meta de financiamento climático global ter aumentado de US$ 100 bilhões para US$ 300 bilhões anuais, o valor se mantém abaixo do que se estima necessário para proteger as nações mais vulneráveis da crise climática, US$ 1,3 trilhão.
Agora, cabe ao Brasil assumir a presidência da COP-30 e liderar a discussão sobre novas formas práticas de se operacionalizar um novo mecanismo de financiamento em nível global. Além disso, a próxima Conferência do Clima poderá indicar caminhos para se financiarem projetos em âmbito local.
De acordo com o grupo de 96 cidades brasileiras que trouxeram transparência aos seus projetos climáticos reportando ao CDP, plataforma global de dados ambientais, o total de recursos para ações de enfrentamento aos problemas decorrentes dos eventos extremos é de R$ 11,5 bilhões. Esse número salta para a cifra de R$ 46,8 bilhões se analisamos os projetos que buscam por financiamento em nível estadual.
Tragédias ambientais recentes como as enchentes no Sul do Brasil e os deslizamentos de terra no litoral norte de São Paulo comprovam que a crise ambiental se materializa no nível das cidades. Com relação às possíveis intercorrências ou tragédias, o nível de conscientização – ou alerta – de gestores públicos parece estar aumentando no Brasil, uma vez que, segundo dados do CDP, há um reconhecimento quanto à existência de riscos climáticos significativos e à frequência desses eventos.
Esse entendimento evidencia um avanço, mas a complexidade da questão está na forma como se dará um encaminhamento para o problema. É importante que os municípios se capacitem para lidar com os eventos climáticos extremos, implantando medidas de mitigação para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, e de adaptação, para diminuir a vulnerabilidade das cidades frente às mudanças climáticas.
Uma primeira ação é analisar os riscos e vulnerabilidades, assim como entender quais são os principais setores que emitem carbono dentro da sua jurisdição. Algo que pode ser feito por meio de um inventário de emissões e do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa (Seeg).
Após a compreensão do diagnóstico climático local, o próximo passo é criar planos ou estratégias de ação climática como uma das ferramentas de combate aos impactos de tragédias e perigos climáticos, assim como a redução de suas emissões.
Para que se cumpra a meta de 1,5°C estabelecida pelo Acordo de Paris, o fortalecimento da cooperação entre entidades nacionais e subnacionais é essencial. Um sistema de governança eficiente, com a participação ativa de cidades, pastas governamentais, empresas, instituições financeiras e organizações da sociedade civil, será cada vez mais necessário.
As cidades devem assumir liderança em diferentes frentes, como, por exemplo, na adaptação de estruturas para o aumento do nível do mar, na construção de parques lineares e áreas verdes e na implantação de frotas de ônibus elétricos. Existem programas consistentes em andamento que podem servir de inspiração para regiões que ainda não iniciaram essa jornada.
As duas maiores concentrações urbanas do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, somaram 23,2% de participação no Produto Interno Bruto (PIB) em 2021, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Quando se fala em transição para uma economia de baixo carbono, muitos dos projetos a serem implantados estão no nível das municipalidades. Para que sejam concretizados, demandam uma quantidade significativa de aportes financeiros, muito acima da capacidade dos cofres públicos.
Um estudo da Defesa Civil, apresentado em dezembro de 2023, indica que mais da metade dos municípios brasileiros esteve em situação de emergência ou estado de calamidade no ano passado, com gastos de apoio na ordem de R$ 1,4 bilhão.
Por essas e outras razões, a COP-30 herdará uma discussão complexa e com grandes expectativas globais. A ideia é que haja uma conexão cada vez maior entre financiadores e apoiadores técnicos, de forma a fomentar a curva de aprendizado dos municípios e facilitar a obtenção de recursos financeiros adequados a cada perfil.
Existem muitas iniciativas e ideias de qualidade sendo desenvolvidas no Brasil, tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada ou sociedade civil organizada. Para que possam ganhar corpo e servir de exemplo para o mundo, será necessário estabelecer um fluxo organizado e transparente de capital, desde a fonte até a execução e o acompanhamento de resultados.
Se tomarmos como base o artigo 9 do Acordo de Paris, que reconhece os países desenvolvidos como os responsáveis pelo financiamento das nações mais pobres, é importante que haja uma pressão no sentido de definições claras. O antigo lema “pensar global, agir local” continua mais válido do que nunca. A vida das pessoas e o bom funcionamento das cidades estão em risco e não podem esperar.
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DISCLOSURE LEAD DO CDP LATIN AMERICA, PLATAFORMA GLOBAL DE DADOS CLIMÁTICOS