O bardo inglês William Shakespeare viveu entre os séculos 16 e 17 e, apesar de ser considerado um dos maiores escritores de todos os tempos, teve seus detratores. Um deles, o filósofo francês François-Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire, depois de ler Hamlet declarou: “É um drama vulgar e bárbaro, que não seria tolerado pelo mais reles populacho francês ou italiano... Só se pode pensar que essa peça foi escrita por um selvagem bêbado”. Outro zoilo foi o russo Liev Tolstoi, autor de Guerra e Paz e Ana Karenina, que afirmou certa vez que “as obras de Shakespeare eram imorais, e que as peças do inglês não tinham quase nenhum mérito artístico”. A obra mais célebre e também mais longa de Shakespeare é Hamlet. Nesse drama, o príncipe Hamlet descobre, por meio de um espírito sobrenatural, que seu pai foi assassinado por seu tio Cláudio, que usurpou o trono e dois meses depois se casou com sua mãe, virando rei da Dinamarca. Hamlet se vê diante da missão de vingar o assassinato de seu pai, matando seu tio Cláudio, mas leva cinco atos inteiros da peça para agir. Toda essa demora se deve a dúvidas sobre a veracidade do fantasma de seu pai. O príncipe Hamlet é um personagem muito racional, inteligente, disciplinado e acostumado a fazer tudo certinho para buscar vingança contra Cláudio apenas com base na conversa com um espírito sobrenatural. Ele não tem certeza se o fantasma que viu era realmente o seu pai ou se era o diabo tentando condená-lo ao inferno. Sua hesitação e demora são justificadas, pois ele se sente moralmente obrigado a ter certeza absoluta do crime de seu tio antes de executar a justiça. Toda essa dúvida de Hamlet em busca de certezas lembra a novela da licença do Ibama para que a Petrobras perfure apenas um poço para comprovar a existência de hidrocarbonetos em quantidade explorável na Bacia da Foz do Amazonas.
É preciso lembrar que as áreas da Margem Equatorial, onde está inserida essa bacia, foram licitadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em 2013 por ocasião da 11.ª Rodada, autorizada pela Resolução n.º 3/2012 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Ora, se o CNPE autorizou e a ANP licitou, foi para que as empresas vencedoras procurassem petróleo e gás. Para isso, é preciso perfurar. Desde então, não só a Petrobras, mas também a TotalEnergies e a British Petroleum (BP), principais vencedoras daquele certame, vêm tentando obter licença para perfuração de um poço exploratório. Diante das dificuldades de obtenção do licenciamento ambiental, a Total e a BP já desistiram de suas concessões e – num dos exemplos mais flagrantes de insegurança em contratos públicos – encerraram suas operações nessa bacia, mas estão felizes extraindo petróleo no litoral da nossa vizinha Guiana. Também a Petrobras, impedida de perfurar na Foz do Amazonas, foi procurar alhures e encontrou, em dezembro passado, a maior reserva de gás da história da Colômbia, em perfuração situada a 77 quilômetros (km) da costa caribenha.
Os fortes indícios da existência de grandes reservas de hidrocarbonetos na Margem Equatorial se baseiam nas pesquisas já realizadas e também nas características geológicas muito semelhantes, em sua estrutura e composição, com a margem atlântica da África Ocidental, onde a empresa anglo-irlandesa Tullow Oil vem explorando, com grandes sucesso, o campo de Jubilee, em Gana. Vale lembrar que existem significativas semelhanças geológicas entre as bacias sedimentares encontradas nesses lados opostos do Oceano Atlântico, separados quando da fragmentação da Pangeia, o supercontinente que existiu no final da era Paleozoica há mais de 200/300 milhões de anos.
Além disso, são indícios animadores as recentes descobertas feitas em regiões próximas à fronteira do Amapá, na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa, também com características geológicas semelhantes às das bacias da Margem Equatorial. O poço exploratório pretendido pela Petrobras está bem próximo ao limite com a Guiana Francesa, em lâmina d’água de mais de 2.800 metros e distante pouco mais de 160 km da costa do município de Oiapoque, no Amapá. Parece que o nosso azar foi a ANP ter batizado essa bacia, que abrange cerca de 800 km de litoral do Amapá e do Pará, com o nome de “Foz do Amazonas”. Tudo que se chama Amazonas ou Amazônia causa arrepios nos ambientalistas e exacerbação das exigências das autoridades ambientais.
Ora, olhemos mapas, a Foz do Rio Amazonas tem pouco mais de 150 km de extensão e é definida por uma linha imaginária ligando Bailique, no Amapá, até o litoral do município marajoara de Chaves, no Pará, tangenciado os extremos nordestes das Ilhas Janaucú, Caviana e Mexiana, e distando mais de 500 km do primeiro poço exploratório pleiteado pela Petrobras. Em todo o litoral brasileiro, principalmente no offshore confrontante com São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Alagoas, Paraná, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte e Ceará, a Petrobras já perfurou, mediante prévia licença ambiental do Ibama, mais de mil poços em águas profundas e ultraprofundas, em sua maioria mais próximos da costa do que o caso em lide.
Quanto à segurança das operações contra possíveis acidentes, vale lembrar que a Petrobras explora o maior polo offshore do planeta, o pré-sal no mar confrontante dos Estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, e tem reconhecimento mundial não só pela excelência tecnológica, mas também pelo atendimento aos mais rigorosos requisitos de segurança, além de práticas de proteção ambiental redundantes, capazes de monitorar tempestivamente qualquer ameaça de acidente.
Se a questão é a presença de manguezais, é oportuno lembrar que, com exceção do Rio Grande do Sul, manguezais também existem em toda a costa brasileira, ocupando mais de 14 mil hectares no litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo (segundo o Atlas dos Manguezais do Brasil, publicado em 2018), exatamente em frente ao pré-sal, onde acontece a maior exploração de petróleo offshore do mundo – e em frente às praias mais movimentadas do Brasil, inclusive as celebradas Copacabana e Ipanema – totalmente licenciada pelo Ibama.
Apesar de termos o dever moral de focar na transição energética para energias mais limpas, o petróleo ainda será a mais importante fonte de energia do planeta por algumas décadas. Por que excluir os amapaenses e os paraenses do direito de usufruir do desenvolvimento de sua gente com a exploração de petróleo e gás em seus mares confrontantes, tal como acontece com os paulistas e cariocas? Todo povo tem direito de explorar seus recursos naturais e se beneficiar deles, sem renunciar às preocupações ambientais. Afinal, vamos repetir a política de sucesso dos países que enriquecem com a exploração de petróleo e gás ou vamos deixar esse recurso valioso ficar para sempre debaixo do fundo do oceano, caso inédito no planeta, como parece que pretendem pessoas descomprometidas com o futuro da região?
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ENGENHEIRO, É CONSULTOR EM PROJETOS DE INFRAESTRUTURA