Será que este artigo foi de fato escrito por mim? Essa pergunta, caro leitor, não é apenas uma provocação. Ela põe em realce um dos problemas fundamentais da nossa era digital: a dificuldade de discernir entre o que é humano e o que é produzido por máquinas. Em meu favor, digo que, caso eu fosse um dispositivo de inteligência artificial (IA), talvez não publicasse este artigo em um veículo de mídia tradicional. Em vez disso, aproveitaria a velocidade e o alcance das redes sociais para disseminar uma narrativa cuidadosamente articulada, capaz de provocar reações rápidas nos mercados de criptoativos. Um boato bem disseminado poderia derrubar o preço do bitcoin e de outras moedas digitais, permitindo que eu, ou quem me comanda, as comprasse a preços baixos para revendê-las com lucro após uma nova campanha assegurando ao público que, afinal, as criptomoedas são seguras e imunes à manipulação. Esse cenário, que parece ficção, não está tão distante da realidade.
A confiança que sustenta as criptomoedas está alicerçada no blockchain, um sistema que opera como um livro-razão descentralizado, registrando todas as transações de forma transparente e imutável. Essa tecnologia se baseia na premissa de que, ao distribuir as informações entre milhares de computadores ao redor do mundo, seria impossível alterar os dados ou fraudar transações sem que a rede detectasse a tentativa. Essa arquitetura descentralizada eliminou a necessidade de intermediários confiáveis, como cartórios, bancos centrais e instituições financeiras, tornando o blockchain a espinha dorsal do ecossistema cripto. Cada transação é protegida por criptografia avançada, com códigos tão complexos que levariam milhões de anos para serem decifrados pelos computadores atuais. Essa crença em sua segurança criou a verdade sob a qual vivemos, segundo a qual investidores confiam que as moedas digitais são invulneráveis.
No entanto, a percepção de invulnerabilidade é tão segura quanto o avanço tecnológico de cada época. E é aqui que inteligência artificial, bots e computação quântica entram em cena. Computadores quânticos, já em desenvolvimento por gigantes da tecnologia, têm o potencial de processar cálculos exponencialmente mais rápido do que as máquinas clássicas. Esses dispositivos poderiam, em teoria, quebrar qualquer sistema criptográfico atual em questão de segundos, incluindo as chaves privadas que autenticam transações no sistema blockchain. Esse avanço colocaria em xeque a segurança que sustenta o mercado de criptoativos, permitindo que transações fraudulentas fossem realizadas e que carteiras digitais fossem acessadas livremente.
Diante dessas possibilidades, surgem duas direções possíveis para o futuro. A primeira é que a própria inteligência artificial seja desenvolvida como uma aliada na proteção do blockchain. Redes neurais avançadas poderiam ser utilizadas para monitorar e reforçar a segurança das transações, identificando vulnerabilidades antes que estas fossem exploradas. Seguramente, essa abordagem já está sendo testada por empresas e pesquisadores que buscam integrar sistemas de IA às redes de blockchain, criando uma camada adicional de proteção contra ciberameaças e ataques quânticos, em nome da preservação do próprio mercado de criptoativos, que vem ganhando cada vez mais relevância no contexto econômico atual.
A segunda, e mais controversa, é que a confiança volte a recair sobre instituições humanas, como governos, bancos centrais e reguladores do mercado financeiro e de capitais. Paradoxalmente, as falhas históricas dessas instituições – tão criticadas pelos defensores dos criptoativos – podem se tornar um porto seguro em um mundo em que bots e algoritmos têm o poder de manipular mercados de forma instantânea. A previsibilidade inerente às falhas humanas pode ser mais reconfortante do que a imprevisibilidade das máquinas porque as primeiras possuem nome, endereço, reputação, consciência e estão sujeitas a certo grau de supervisão e correção por outros seres humanos. Nesse cenário, a moeda fiduciária e ativos não tokenizados poderiam recuperar um papel central na economia global, valorizando antigos defeitos, como centralização e intervenção estatal, que seriam agora reinterpretados como qualidades.
A revolução trazida pelas criptomoedas foi baseada na promessa de descentralização e autonomia financeira, mas sua continuidade depende de decisões que tomaremos agora. Se a inteligência artificial e a computação quântica forem usadas de maneira responsável, o sistema poderá ser fortalecido e adaptado às novas realidades. Caso contrário, a confiança que sustenta o blockchain e os criptoativos pode se dissipar como uma quimera passageira, levando consigo o ideal de um sistema financeiro imune à intervenção humana. Ao final, o futuro das criptomoedas não será definido apenas pela tecnologia, mas pelo equilíbrio que alcançarmos entre inovação, regulamentação e uso ético das ferramentas que criamos. Afinal, quem decide como usamos o poder da tecnologia ainda somos nós – pelo menos por enquanto.
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ADVOGADO, É MESTRE EM DIREITO TRIBUTÁRIO INTERNACIONAL PELO IBDT-SP