Um dos desafios dos países no enfrentamento das mudanças climáticas é a aceleração da transição das suas matrizes elétricas de uma base fóssil para uma base renovável. Essa afirmação pode ser aplicada a uma boa parte dos países, mas não reflete as condições específicas do Brasil, cuja matriz elétrica está entre as mais limpas do mundo e cujos desafios em termos de emissões de gases de efeito estufa se concentram principalmente no combate ao desmatamento.
Esta questão nos serve de alerta para a importância de as metas relativas às mudanças climáticas contemplarem questões específicas que levem em conta a diversidade de condições dos países, para garantirmos o caminho da transição energética justa. Para além da descarbonização da matriz elétrica, com a substituição de carvão mineral e gás natural por energias solar e eólica, outros elementos precisam ser considerados neste processo de transição, como as oportunidades de geração de empregos no processo de descarbonização de indústrias fortemente dependentes de combustíveis fósseis, como a siderúrgica, a química e a de fertilizantes.
Neste contexto, a criação de indicadores que avaliem de maneira holística a transição de uma economia para uma condição de baixo carbono pode ser uma forma eficaz para o desenvolvimento de políticas públicas relativas ao tema, complementando as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa e garantindo uma transição mais justa. O assunto foi tema de workshop promovido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas DIW Berlin, em julho deste ano, com participação de mais de 30 organizações ligadas à transição energética, para o qual o Instituto E+ Transição Energética foi convidado a apresentar as especificidades do Brasil. Na oportunidade, chamamos a atenção para a necessidade de pensarmos além dos desafios enfrentados pelo norte global.
A ideia dos “indicadores de transição” é dispor de métricas que abordem desenvolvimentos tangíveis e específicos na implantação de tecnologias e inovações relevantes para as reduções de emissões atuais ou futuras. Isso inclui, por exemplo, a participação de fontes renováveis nas matrizes energéticas e elétricas, o uso de sistemas de transporte coletivo e a reciclagem de resíduos, mas levando em conta as características específicas de cada um dos países em que forem aplicados.
De acordo com as principais conclusões do evento, esses indicadores podem apontar benefícios concretos mais próximos da sociedade do que as metas de redução de emissões. Isso porque podem refletir oportunidades efetivas, como a modernização e a inovação da indústria por meio de processos limpos, aumentando, inclusive, sua competitividade e a geração de empregos. Ao mesmo tempo, métricas de transição são mais acessíveis para leigos, descrevendo efeitos concretos para as sociedades e facilitando o discurso político na realidade local de cada nação.
A implementação desses indicadores também pode ser monitorada de maneira mais simples, pois as metas relativas a cortes de emissões de gases de efeito estufa dificilmente fornecem informações suficientes aos tomadores de decisão e demais agentes da sociedade sobre os progressos realizados. Isso ocorre porque as medições estão sujeitas a incertezas e os benefícios gerados por cada tonelada de emissão evitada são difíceis de serem mapeados e explicados com clareza à população em geral.
Já os indicadores da transição podem antecipar informações sobre os progressos concretos realizados, pois podem tratar de dados cuja coleta é simplificada. Isso permitiria que os decisores relevantes fossem responsabilizados pelos resultados, melhorando, assim, a aplicação das políticas e dos programas ao longo do tempo.
Além disso, os indicadores podem medir a evolução no longo prazo, tendo em vista as dinâmicas específicas de cada um dos setores envolvidos, bem como as vocações e limitações de cada país. Mais: podem ser estabelecidos em sintonia com as prioridades políticas locais, como as condições de emprego, desenvolvimento econômico e tecnologias necessárias, aumentando a transparência dos modelos utilizados na mensuração das condições de evolução.
Ao mesmo tempo, alguns desafios precisam ser considerados no processo de definição dos indicadores. Em primeiro lugar, eles devem complementar, e não substituir, os objetivos climáticos de cada país. Ao mesmo tempo, não devem ser específicos demais, de modo que não fiquem limitados a determinadas metodologias ou tecnologias, e sua quantidade não deve ser excessiva, para não prejudicar a compreensão e divulgação dos resultados. Além disso, devem ser estabelecidos por organismos com independência suficiente para que não sejam comprometidos por interesses de setores específicos e tenham a devida credibilidade.
Resolver esses desafios não é simples, mas não temos dúvidas: o Brasil tem totais condições de enfrentá-los e desenvolver propostas de indicadores que contribuam para uma transição para a neutralidade climática mais inclusiva, justa e resiliente.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, DIRETORA EXECUTIVA E CONSULTORA SÊNIOR DO INSTITUTO E+ TRANSIÇÃO ENERGÉTICA