Quando o assunto é a construção de uma máquina pública mais enxuta, eficiente e financeiramente sustentável, o Brasil avança a passos lentos.
Vejamos o exemplo mais recente: no final do ano passado, às vésperas do recesso parlamentar, Câmara e Senado aprovaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do corte de gastos, que incluía um dispositivo contra os chamados “supersalários”, isto é, aqueles que ultrapassam, via auxílios, gratificações e demais penduricalhos, o teto constitucional do funcionalismo público. Os parlamentares alteraram o texto da PEC, determinando que os “supersalários” continuem a ser pagos até que seja votada uma lei ordinária sobre o assunto. Esta, por sua vez (e se tudo sair conforme o combinado), deve entrar em pauta em fevereiro, no início do ano legislativo.
Temos, portanto, um avanço na direção correta – não há polêmica em torno do fato de que devemos coibir remunerações acima do limite imposto pela Constituição. Mas esse avanço, como sempre, é insuficiente.
Toda a discussão em torno dos “supersalários” e da PEC do corte de gastos só contempla um pequeno aspecto de um problema muito maior. O elefante na sala, que poucos se atrevem hoje a nomear, é a necessidade de uma reforma administrativa.
O Brasil passou os últimos anos debatendo e aprovando a (necessária) reforma tributária, cuja regulação foi sancionada há pouco pelo presidente da República. No entanto, perdemos a oportunidade de fazer reformas estruturantes na ordem certa.
Uma reforma administrativa que antecedesse a tributária daria à sociedade brasileira a chance de discutir qual tamanho de Estado ela deseja, para só então buscarmos maneiras de custear esse Estado. A atual reforma tributária, apesar de seus méritos, foi desenhada para bancar uma máquina pública notoriamente inchada.
Mas é preciso olhar para o futuro. O Tribunal de Contas da União (TCU) alertou para o risco de um “apagão” (shutdown) do governo já em 2028, dada a trajetória da despesa pública.
O Orçamento de 2025 prevê R$ 416 bilhões de gasto público somente com pessoal, uma alta de mais de 9% em relação ao ano anterior, de acordo com o que está disposto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa). É a maior expansão nessa categoria de despesa em seis anos.
Isso ocorre, vale lembrar, num país que já tem gastos de “padrão europeu”. Somados os funcionários públicos da União, dos Estados e dos municípios, seu custo equivale a cerca de 13% do PIB, o que, na comparação com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), colocaria o Brasil em sétimo lugar no ranking dos mais gastadores. O levantamento, feito pelo próprio Estadão em 2022, mostra que gastamos mais do que países notórios pela extensão e pela efetividade de seu welfare state, como Suécia, França, Reino Unido e Alemanha.
O Brasil também tem um rol excessivo de gastos obrigatórios – os gastos com pessoal, que representam 14% das despesas primárias do governo, são o principal exemplo. Ademais, boa parte dos reajustes salariais do setor público são automáticos.
Com isso, a tendência é de redução gradual da verba disponível para investimentos, já que quase todo o Orçamento do Estado estará comprometido com despesas obrigatórias. Segundo o TCU, as despesas discricionárias (isto é, as não obrigatórias) podem cair até 88% nos próximos anos.
Redesenhar a máquina pública é urgente. Não apenas seu tamanho, mas também sua lógica de funcionamento. Infelizmente, nos acostumamos a pensar que valorização das carreiras públicas é sinônimo de estabilidade e de progressão automática por tempo de serviço.
Trata-se de um claro desincentivo à produtividade e à excelência profissional. É evidente que o bom servidor público deve ser valorizado, assim como é evidente que precisa haver um plano de carreira para funcionários do Estado. Porém, a evolução desses profissionais, inclusive em termos de remuneração, precisa estar atrelada a algum indicador de produtividade.
Os números deixam claro que estabilidade não é sinônimo de qualidade. A quase totalidade dos funcionários públicos brasileiros se enquadram no vínculo estatutário – 86,95% segundo dados de 2020 do Atlas do Estado Brasileiro. Porém, nem um terço dos brasileiros está satisfeito com o serviço prestado, enquanto a média de satisfação dos países da OCDE é de 63%.
Há discrepâncias gritantes entre os setores público e privado também em termos de remuneração. Uma análise divulgada pelo Banco Mundial em 2019, focada em servidores federais, mostrou que sua remuneração média era o dobro da verificada no setor privado.
São distorções que podem e devem ser corrigidas por uma reforma administrativa capaz de reduzir a máquina pública, eliminar mecanismos perniciosos como a evolução automática da carreira e estabelecer critérios mais racionais para o benefício da estabilidade.
O debate sobre os “supersalários”, que será retomado agora em fevereiro pelo Congresso, abre uma brecha para que a discussão sobre reforma administrativa volte à baila. Enquanto procura maneiras de corrigir o problema específico das remunerações excessivas, o País tem a oportunidade de refletir mais profundamente, de ampliar o escopo dessa reflexão e repensar, afinal, qual tipo (e qual tamanho) de Estado queremos.
*
É PRESIDENTE DA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS (FIEMG)