Opinião | ‘Make Facebook American Again’

É hora de o Brasil construir uma regulação que proteja os interesses nacionais e que seja capaz de estimular o desenvolvimento de um setor tecnológico genuinamente brasileiro

Por Germano Johansson e Tainá Aguiar Junquilho

Não deveria ser surpresa que o magnata e CEO da Meta, Mark Zuckerberg, tenha anunciado o alinhamento político da empresa às determinações do presidente eleito dos EUA, Donald Trump.

A Meta é uma das principais empresas estadunidenses em valor de mercado e possui uma grande importância geopolítica, além de ser um importante ativo cultural, capturando dados de mais de 3 bilhões de usuários no mundo.

A empresa é “queridinha” nos países do chamado Sul Global. Em recente pesquisa elaborada pela Pew Research Center, em 2023 a média de usuários do WhatsApp e do Facebook em países como Argentina, Brasil, Índia, Indonésia, Quênia, México, Nigéria e África do Sul foi de 73% e 62%, respectivamente, em relação à totalidade da população.

No Brasil, a média de uso dos dois aplicativos é ainda maior. Noventa por cento dos brasileiros usam o WhatsApp e 75% o Facebook. Some-se a isso o fato de que o terceiro aplicativo mais usado, o Instagram, também faz parte do grupo Meta, e é usado por 63% da população.

Apesar de estar presente nesses países, a empresa é atualmente baseada na Califórnia e, consequentemente, tem se alinhado aos ideais dos governos dos EUA, seja ele qual for. Os movimentos pendulares da empresa, portanto, são consequências diretas dos movimentos pendulares da política norte-americana.

Também não deveria ser surpresa que Zuckerberg esteja recuando dos checadores de fatos que eles mesmos inventaram anos atrás. No fundo, o modelo de notas da comunidade amplia o campo de batalha digital para um modelo de disputa coletiva, “à la Wikipédia”, que é difícil de ser criticado e reduz o poder de alguns checadores habilitados com selos e credenciais que têm pouca relevância para o usuário final.

Alguma surpresa, no entanto, Zuckerberg produziu ao decidir afrontar países, sistemas políticos, decisões judiciais e, consequentemente, avanços regulatórios que, de alguma forma, atrapalharam o crescimento da sua empresa, citando União Europeia e América Latina.

As receitas da Meta em 2023 foram de quase R$ 850 bilhões, sendo que 98% desse valor veio de anúncios. Isso exige que a empresa tenha como objetivo central conseguir alcançar mais usuários e mais tempo de tela, para que seus anunciantes alcancem mais pessoas. Portanto, qualquer tipo de regulação que afete esses objetivos impacta o resultado final da empresa.

O discurso de Zuckerberg não esconde mais o alinhamento Estado-empresa que pulsa nos EUA. É a nova realidade em meio a tantas guerras comerciais e econômicas. Sob o atrasado manto da liberdade de expressão irrestrita (que no Brasil existe sob outra perspectiva e veda-se o anonimato), a Meta agora demonstra que o lucro está acima de constituições e jurisdições. E que o ringue terá Zuckerberg e Elon Musk como aliados, e não como adversários, como eles esbravejaram meses atrás.

O que o anúncio de Zuckerberg exige dos agentes políticos, intelectuais, pesquisadores é uma reflexão sobre o papel da soberania dos Estados na selva digital. A sua fala escancara a insatisfação político-econômica das big techs norte-americanas com os recentes movimentos globais, principalmente vindos de países da Europa, América Latina, Ásia e Oceania. Esses países têm buscado soluções para problemas advindos da hegemonia algorítmica, da autorregulação desregulada e da imposição cultural que vem transformando as sociedades.

A reflexão mais importante que precisamos fazer neste momento deve ser sobre os limites que a regulação, e principalmente as decisões judiciais, podem ter sobre uma atividade econômica submetida a um oligopólio tão forte, coeso e alinhado a um país politicamente pendular e instável. E, principalmente, sobre os limites e dificuldades que vamos repetidamente enfrentar para superar o direcionamento político que um outro país pode dar sobre suas empresas operando no Brasil.

É hora de o Brasil de fato construir uma regulação que não só proteja os interesses nacionais e culturais da população e a autodeterminação política do nosso povo, mas que também seja capaz de estimular o desenvolvimento de um setor econômico tecnológico genuinamente brasileiro, alinhado culturalmente aos valores constitucionais que pactuamos como sociedade. E não aos valores que eles querem nos impor.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, MESTRE EM ENGENHARIA E EM POLÍTICAS PÚBLICAS PELA UNIVERSITY OF SOUTHERN CALIFORNIA, DOUTORANDO EM CIÊNCIAS POLÍTICAS NA UNB, PESQUISADOR NO PROGRAMA CYBERBRICS, DO CENTRO DE TECNOLOGIA E SOCIEDADE DA FGV, ONDE PESQUISA SOBERANIA E GOVERNANÇA DIGITAL; PROFESSORA DE DIREITO, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO INSTITUTO BRASILEIRO DE ENSINO, DESENVOLVIMENTO E PESQUISA (IDP), COORDENADORA DO LABORATÓRIO DE GOVERNANÇA E REGULAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (LIA/IDP), DOUTORA PELA UNB E MESTRE EM DIREITO PELA UFES, ADVOGADA E MEMBRO DO OBSERVATÓRIO NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL DA OAB NACIONAL

Opinião por Germano Johansson

Mestre em Engenharia e em Políticas Públicas pela University of Southern California, doutorando em Ciências Políticas na UnB, é pesquisador no programa CyberBrics, do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, onde pesquisa soberania e governança digital

Tainá Aguiar Junquilho

Professora de Direito, Tecnologia e Inovação no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), coordenadora do Laboratório de Governança e Regulação da Inteligência Artificial (LIA/IDP), doutora pela UnB e mestre em Direito pela Ufes, é advogada e membro do Observatório Nacional de Proteção de Dados e Inteligência Artificial da OAB Nacional