Opinião | Menos telas e mais saúde nas escolas

Lei 15.100/2025 não demoniza a internet, mas cria um espaço seguro, protegendo os estudantes do uso ininterrupto de dispositivos digitais

Por Clóvis Francisco Constantino e Evelyn Eisenstein

Este início de ano letivo promete um novo ambiente nas escolas brasileiras: talvez corredores mais movimentados, recreios cheios de rodas de conversas e salas de aula livres do brilho das telas. Pela primeira vez, a volta às aulas será marcada pelo fim do uso de celulares, mudança decorrente da aprovação da Lei 15.100/2025. A legislação, que abrange a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, representa um avanço na proteção de crianças e adolescentes frente aos riscos do uso descontrolado das tecnologias digitais.

Desde 2016, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulga documentos científicos alertando para os impactos negativos do consumo excessivo de telas e mídias sociais no desenvolvimento infantojuvenil. A ciência demonstra que o uso precoce, excessivo e prolongado de dispositivos eletrônicos pode acarretar danos significativos. Os prejuízos à saúde física são inúmeros, incluindo problemas posturais, transtornos visuais e auditivos, sedentarismo e aumento da obesidade. Na primeira infância, há risco de atrasos no desenvolvimento motor e na aquisição da linguagem.

Além disso, o ambiente digital pode influenciar ou agravar problemas comportamentais e de saúde mental, como irritabilidade, alterações de humor, isolamento, transtornos do sono e da alimentação. A dependência digital, o vício em jogos eletrônicos, a ansiedade e a dificuldade de socializar fora do mundo virtual são queixas cada vez mais comuns nos consultórios pediátricos. Os riscos incluem também a exposição a conteúdos impróprios, cyberbullying, violência, exploração sexual e até incentivo ao suicídio.

A Lei 15.100/2025 busca garantir que, pelo menos no ambiente escolar, crianças e adolescentes estejam protegidos e com o foco voltado à aprendizagem, às atividades esportivas e culturais, ao lazer longe das telas durante o recreio, ao contato com o meio ambiente e à interação direta com colegas e professores.

A volta às aulas deste ano, portanto, representa um momento decisivo, em que a sociedade civil, a mídia e, principalmente, pais e responsáveis precisam se engajar no debate para garantir a efetiva implementação da lei. O diálogo com os jovens sobre os benefícios do uso consciente das mídias digitais pode facilitar a adesão à nova medida, evitando resistências extremadas.

Estamos há mais de duas décadas sem regulamentações eficazes para garantir a segurança, a saúde e a privacidade de crianças e adolescentes no meio digital. A proposta não demoniza a internet, mas cria um espaço seguro, protegendo os estudantes do uso ininterrupto de dispositivos digitais dentro das escolas.

Segundo o relatório Digital 2024: Global Overview Report, da We Are Social e Meltwater, o Brasil ocupa a segunda posição mundial no tempo médio de exposição às telas entre crianças e adolescentes, atrás apenas da África do Sul, com uma média de nove horas diárias.

A popularidade dos serviços de streaming, jogos online e redes sociais, aliada à ampla penetração de smartphones e da internet, também contribui para esse cenário alarmante. De acordo com o estudo TIC Kids Online Brasil 2024, 93% das crianças brasileiras entre 9 e 17 anos utilizam ativamente a internet. Dentro dessa faixa etária, quase 30% relataram ter vivenciado situações ofensivas ou desagradáveis no ambiente virtual. Por isso, políticas públicas como a proposta pela Lei 15.100/2025 são muito bem-vindas.

É dever da sociedade continuar pressionando por novas mudanças, como a adoção de ferramentas eficazes de verificação de idade e adaptação de conteúdos; o controle do tempo de utilização da internet por crianças e adolescentes; a eliminação de práticas que induzam ao uso nocivo da rede; a criação de mecanismos online para notificação e bloqueio de conteúdos violentos e abusivos; e a proibição da captação de dados para publicidade direcionada.

A responsabilidade pela proteção da infância e da adolescência deve ser compartilhada entre autoridades governamentais, famílias, escolas e as grandes empresas de tecnologia que detêm redes sociais, aplicativos, sites, jogos eletrônicos e outros serviços digitais. Apenas por meio de um trabalho conjunto e da conscientização de todos será possível garantir um ambiente virtual mais saudável e fazer valer o direito constitucional que prioriza a proteção integral dos 55 milhões de crianças e adolescentes brasileiros.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP); E COORDENADORA DO GRUPO DE TRABALHO EM SAÚDE DIGITAL DA SBP

Opinião por Clóvis Francisco Constantino

Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

Evelyn Eisenstein

Coordenadora do Grupo de Trabalho em Saúde Digital da SBP