O economista Javier Milei, atual presidente da Argentina, está promovendo uma transformação radical na economia do país. Com menos de um ano e meio de mandato, ele conseguiu reduzir significativamente a inflação, um dos problemas mais persistentes da Argentina, além de implementar um forte ajuste fiscal numa economia que recentemente saiu de um default externo.
Quando Milei assumiu o governo, em dezembro de 2023, a inflação mensal era de 25,5%, e a inflação anual ultrapassava os 200%. Apenas um ano depois, em janeiro de 2025, a inflação mensal caiu para 2,2%, e a inflação anual reduziu-se para 84,5%. Esses números indicam um avanço importante no controle da instabilidade econômica. Além disso, apesar de o PIB ter registrado uma queda de 1,8% no primeiro ano de governo, as projeções indicam um crescimento de aproximadamente 5% nos próximos três anos.
A rápida desaceleração da inflação e os sinais de recuperação econômica levantam uma pergunta inevitável: como Milei conseguiu esse feito? Seria um “milagre econômico”?
Para responder a essa questão, é interessante olhar para um caso histórico semelhante: o chamado “milagre de Poincaré” na França, em 1926.
Naquele ano, a França enfrentava um cenário caótico, com uma inflação que, em termos anualizados, atingia 340%. A moeda estava em queda livre, a produção econômica estagnava, e o país lidava com uma forte instabilidade política após a Primeira Guerra Mundial. No entanto, Raymond Poincaré, então primeiro-ministro, reverteu essa crise por meio de uma ampla coalizão política e um programa de reformas profundas.
As medidas adotadas surtiram efeito rapidamente. De agosto a dezembro de 1926, o país saiu de uma inflação descontrolada para uma deflação acumulada de 25%. A moeda francesa, que havia perdido um terço do valor nos meses anteriores, recuperou-se quase na mesma proporção até o final do ano. O que parecia um milagre era, na verdade, o resultado de uma estratégia bem executada de ajuste fiscal com reformas críveis.
O que Milei está fazendo na Argentina segue uma lógica semelhante à de Poincaré. Em ambos os casos, a reviravolta econômica não ocorreu por acaso, mas sim como resultado de uma reversão de expectativas baseada em reformas estruturais sólidas. O primeiro passo foi diagnosticar corretamente o problema: a inflação não é a doença em si, mas apenas um sintoma de uma política fiscal e monetária irresponsável ao longo do tempo. O tratamento, portanto, exigiu um forte ajuste fiscal e reformas que reduzissem o endividamento e restaurassem a confiança na economia.
Uma das estratégias utilizadas nos dois casos foi a adoção de uma âncora cambial para trazer credibilidade ao processo de estabilização. Na França da década de 1920, isso foi feito por meio do retorno ao padrão-ouro, garantindo uma taxa de câmbio fixa. Já na Argentina, Milei optou por fixar o peso ao dólar e implementar pequenas desvalorizações controladas, uma abordagem parecida à adotada no Plano Cavallo nos anos 1990.
Essa comparação com os anos 1990, no entanto, levanta um alerta importante. Naquele período, a Argentina utilizou um regime de câmbio fixo como âncora para estabilizar a economia. No entanto, com o tempo, o câmbio se valorizou excessivamente em termos reais, tornando as transações correntes deficitárias por muitos anos. Sem disciplina fiscal, o país entrou numa crise de falta de dólares, resultando na maxidesvalorização do peso em 2001.
A grande questão agora é: Milei conseguirá evitar os erros do passado? Sua equipe econômica parece estar atenta a essa possibilidade e busca garantir que o ajuste fiscal seja mantido. Um dos principais desafios será impedir que o consumo cresça de maneira descontrolada, algo que pode desestabilizar o equilíbrio das contas externas.
Uma possível medida de curto prazo para reforçar esse equilíbrio seria um aumento temporário do Imposto de Renda, com duração de um ou dois anos. Isso ajudaria a evitar desequilíbrios externos, e assim ancorar as expectativas de inflação. Como consequência, os impactos de uma futura desvalorização cambial seriam atenuados.
Dessa forma, embora a experiência francesa de 1926 e a atual política econômica argentina compartilhem princípios semelhantes, o sucesso de Milei dependerá da implementação consistente das reformas e da capacidade de evitar armadilhas que já causaram crises no passado. Se for bem-sucedido, poderá transformar a Argentina de forma duradoura, consolidando uma nova fase de estabilidade econômica.