Até meados da década passada, os projetos de concessão de serviços públicos e de infraestrutura enfrentavam muita resistência. Sem conhecimento sobre as premissas das parcerias, muitas vozes se erguiam contra supostas privatizações, defendendo a atuação estatal direta, como quem protege a sobrevivência de um modelo, sem sopesar os prós e os contras do novo.
Essa postura, que ecoou nas instâncias de poder, atravancou a estruturação de muitos projetos, atrasou a assinatura dos contratos, levou à interrupção de outros e gerou prejuízos à população, que se viu privada de investimentos em setores cruciais para o desenvolvimento econômico. Os setores de mobilidade, como rodovias e transporte, foram alvos de ataques que defendiam a operação direta pelos entes públicos, sem a participação da iniciativa privada.
Após muitos contratos de concessão, inúmeros litígios e ampla disseminação de informação sobre os resultados positivos das parcerias entre o público e o privado, o preconceito foi diminuindo e o número de projetos foi multiplicando.
Ainda hoje, não é possível participar de uma audiência pública sobre projetos de concessão – comuns ou de Parcerias Público-Privadas (PPPs) –, em que não exista uma pessoa afirmando que querem privatizar a água, a educação, ou a segurança pública. Essa resistência não parece advir principalmente de posições ideológicas, mas do desconhecimento sobre os contornos de uma parceria como modelo contratual que busca e mensura eficiência.
Como a vida em sociedade acontece em movimentos pendulares, enquanto as concessões de certos serviços e de infraestrutura passaram a ser mais aceitas, a resistência ganhou força contra as parcerias que têm por objeto as infraestruturas sociais.
A infraestrutura social é um pilar fundamental para o desenvolvimento e bem-estar de uma sociedade. A expansão dessa infraestrutura, especialmente em regiões com maior carência, apresenta desafios significativos para a implementação de políticas públicas eficazes, relacionadas não apenas aos investimentos financeiros, mas às capacidades de planejamento e ação tempestivas.
Nesse contexto, as PPPs emergem como uma ferramenta promissora para impulsionar o investimento e a gestão eficiente de projetos sociais. Reconhecendo esse potencial, os entes políticos têm estruturado projetos nas áreas da saúde, da educação e da segurança pública.
Tome-se o exemplo do setor educacional. Segundo dados da CNN Brasil (2024), o número de projetos de PPPs na educação, no ano de 2024, multiplicou-se em cinco vezes comparado ao ano de 2023, o que vem intensificando o debate sobre o papel do Estado na garantia do direito à educação.
Recentemente, o Decreto n.º 68.597/2024, do Estado de São Paulo, autorizou a abertura de licitação para a concessão administrativa dos serviços não pedagógicos de 33 novas unidades de ensino fundamental e médio, divididas em dois lotes (leste e oeste). O projeto tem como objetivo transferir à iniciativa privada a responsabilidade pela construção, manutenção, conservação, gestão e operação desses serviços, buscando otimizar a infraestrutura e a gestão das escolas.
Depois de um intenso trabalho e de muitos questionamentos, os leilões dos Lotes Leste e Oeste ocorreram, respectivamente, nos dias 29/10/2024 e 04/11/2024.
Mas a realização da licitação, neste caso, não significou resultado positivo. Afinal, mesmo depois de o projeto já ter enfrentado discussões judiciais, sobreveio decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no dia 25 de fevereiro passado, suspendendo o decreto estadual n.º 68.597/2024, que autoriza a PPP de escolas, colocando em evidência as dificuldades e incertezas que envolvem a implementação de PPPs na área educacional.
Essa insegurança se agravou em 10 de março passado, com a sentença judicial de primeira instância em outra ação, desta vez uma Ação Civil Pública movida pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). A decisão invalidou os dois leilões realizados pelo governo estadual, sob a fundamentação de que não se poderia dissociar o espaço físico da escola do projeto pedagógico, sem comprometer o modelo de gestão democrática previsto constitucionalmente. Embora a decisão ainda comporte recurso, acentuou-se o quadro de instabilidade jurídica em torno das PPPs sociais.
Tais episódios ilustram a vulnerabilidade e a insegurança jurídica que ainda permeiam esse tipo de projeto, sobretudo no que gera dúvidas em relação à divisão de responsabilidades entre o público e o privado. A incerteza ou má compreensão sobre os limites da atuação privada em áreas sensíveis como a educação, com ênfase quanto aos aspectos pedagógicos, suscita questionamentos sobre a constitucionalidade e a legalidade das PPPs, abrindo margem para contestações judiciais.
Um estudo do Todos Pela Educação (2024) aponta que a ausência de um marco regulatório específico para PPPs na educação contribui para essa insegurança jurídica, gerando divergências na interpretação da legislação e dificultando a estruturação de projetos que garantam a qualidade do ensino e o interesse público.
Vale destacar, também, que, em pesquisa realizada pelo Todos Pela Educação em parceria com o Datafolha (2022), o aspecto apontado como mais premente pelos diretores de escolas é o de “manutenção predial/investimento em infraestrutura física”.
Ou seja, temas cujo tratamento é perfeitamente possível por meio de concessionária especializada, no âmbito de um contrato de PPP – instrumento criado para este tipo de finalidade, na medida em que permite ao poder público concentrar seu foco no exercício direto da atividade pedagógica. Entretanto, é curioso notar que, apesar desta clara distinção e demarcação de espaços entre o público e o privado, o decreto autorizativo do projeto da PPP das escolas paulistas tenha sido suspenso pelo Poder Judiciário.
Não se pode desconsiderar a complexidade na definição de um modelo adequado de PPP para a educação, assim como não se pode rejeitar o modelo a priori.
Se há ilegalidades no processo, é correto que sua continuidade seja suspensa; contudo, a decisão não pode se limitar à análise abstrata da norma, devendo ponderar, de modo concreto e explícito, as consequências práticas advindas dessa paralisação. A exigência decorre da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que impõe às esferas judicial, administrativa e controladora a obrigação de considerar os efeitos reais das decisões tomadas, indicando-os expressamente e fundamentando a medida em valores concretos, proporcionais e compatíveis com o interesse público envolvido.
No caso específico da suspensão da PPP das escolas paulistas, tais consequências são imediatas e significativas: 33 novas unidades escolares, projetadas para atender 35 mil educandos, deixarão de ser entregues dentro do prazo previsto, impondo um custo social expressivo, sobretudo às comunidades mais vulneráveis.
Um recente estudo do Ipea (2024) confirma que o modelo de PPP, aplicado na construção de escolas em Belo Horizonte (MG), possibilitou a conclusão das obras em quase metade do tempo habitual exigido pelo modelo tradicional (de 20 para 11 meses), além de gerar maior previsibilidade na entrega e otimizar significativamente a gestão escolar, permitindo que diretores dedicassem até 25% mais tempo às atividades estritamente pedagógicas.
Ou seja, tais consequências práticas demonstram de maneira clara que, ao suspender ou invalidar um projeto estruturado, é imprescindível ponderar o impacto real que essa decisão acarretará à comunidade afetada. Porque será ela própria, em última instância, quem suportará os custos dessa paralisação e da manutenção de um modelo menos eficiente.
A insegurança gerada pela suspensão de processos em fase avançada não repercute apenas naquele caso, mas tem aptidão para afastar possíveis investidores e delinear a atratividade de um mercado ainda em formação.
Assim sendo, é imprescindível que a atuação dos órgãos de controle e do Poder Judiciário, mesmo quando pautada em fundamentos legítimos, seja sensível às peculiaridades desse tipo de projeto. Saúde, segurança e educação, em especial, merecem tal cuidado. A experiência brasileira, ainda recente, já demonstra que as PPPs têm potencial efetivo para ampliar o alcance e a eficiência das políticas sociais, como revelado no estudo do Ipea (2024), cujo exemplo de Belo Horizonte demonstrou redução expressiva do prazo de entrega das obras e ganhos inequívocos na gestão escolar.
É preciso avançar para além dos preconceitos ou simplificações discursivas, reconhecendo as PPPs como instrumentos valiosos para a ampliação da capacidade estatal em áreas sociais.