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Opinião|O MEC está certo em restringir EAD para formação de professores

O que foi apresentado não é apenas uma questão técnica, mas também uma decisão política sobre os rumos a serem seguidos nos próximos anos

Por Dyogo Patriota
Atualização:

O Brasil tem testemunhado mudanças significativas no setor de educação superior desde que permitiu que empresas de capital aberto, com ações em bolsas de valores, ingressassem no mercado. A partir de então, o ensino a distância tem sido um mantra para alguns dos grandes conglomerados empresariais educacionais, que vêm dominando a concorrência. A impressão é de que o diferencial para atrair alunos tenha deixado de ser a qualidade dos cursos, destacando-se cada vez mais os baixos preços ofertados na educação superior como grande diferencial, tendo se tornado comum a menção às “uniesquinas” e aos “cursos de R$ 49,99″. Isso tem gerado distorções importantes, como a possível equiparação entre o número de alunos em cursos presenciais e a distância nos próximos anos (em 2022, a presencialidade superou o ensino a distância por pouco mais de 700 mil alunos).

Segundo dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), atualmente há hegemonia nos cursos EAD em licenciatura/formação de professores. As instituições privadas ofertam quase 1 milhão de vagas em Pedagogia, das quais 790 mil em ensino a distância. Embora o contrário aconteça no ensino público, o âmbito de abrangência é muito menos representativo: de aproximadamente 50 mil vagas totais, pouco mais de dois terços, ou seja, 34 mil são presenciais. Outro ponto a destacar é que apenas quatro grandes conglomerados empresariais educacionais concentram 23% do alunado e, embora tenham 1,3 milhão de alunos (99% matriculados no EAD), empregam apenas 781 professores (numa péssima proporção aluno/professor).

Esse cenário destaca a importância do amplo apoio social ao Conselho Nacional de Educação (CNE), que emitiu o Parecer CNE/CP n.º 4/2024, definindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação do profissional de magistério, e concluiu pela manutenção da permissão do ensino a distância para formação em Pedagogia e em outras licenciaturas, mas desde que 50% da carga horária do curso seja presencial. Não é o ideal, entretanto já é um avanço em relação ao que acontece, especialmente considerando que apenas 26,6% desses cursos EAD conseguiram avaliações realmente satisfatórias (notas 4 e 5 no conceito pedagógico do curso); isso é um claro problema que deve ser enfrentado pelo poder público, ainda mais quando constatado que são esses cursos a distância que formam 81% dos novos professores. Esse ato administrativo foi homologado pelo Ministro da Educação, Camilo Santana, para surtir todos os seus efeitos legais.

É compreensível que os grandes conglomerados estejam insatisfeitos, argumentando que os mais pobres, especialmente os localizados em áreas remotas, serão prejudicados. No entanto, é importante dizer que as universidades comunitárias e os institutos públicos sempre tiveram foco nessas regiões e têm como uma de suas principais missões a formação de educadores.

Há muitas questões atreladas a esse tema e que devem ser analisadas com cuidado pela população, entre elas a Portaria Normativa MEC n.º 11/2017, que é responsável pela expansão desenfreada dos cursos EAD, pois ela criou o que ficou conhecido como “bônus regulatório”. As instituições de ensino superior (IES) são submetidas à avaliação institucional, o que gera seu “conceito institucional”, e se obtiverem as notas 3, 4 ou 5 ficam automaticamente liberadas para abrirem 50, 150 e 250 polos a distância, sem nenhuma ou pouquíssima fiscalização in loco, tendo inclusive o Ministério da Educação noticiado várias vezes que não tem estrutura própria para realizar esse nível de supervisão.

O que foi dito acima é estranho porque tanto o Ministério da Educação quanto o Poder Judiciário têm uma visão restrita da “autonomia universitária” na maior parte das vezes e, nessa hipótese específica, não. Por exemplo, no Brasil, nenhuma universidade pode, por ata do seu Conselho Universitário, autorizar o seu próprio curso de graduação em Medicina. No entanto, uma faculdade credenciada ao EAD, independentemente da pouca estrutura e experiência, pode abrir dezenas de polos sem prestar contas imediatamente a ninguém, o que é um contrassenso.

O que o País ganhou com isso? Apesar do aumento significativo nas matrículas em cursos na área da educação em comparação com os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), não houve uma revolução na educação básica e média ou o esperado aumento do Produto Interno Bruto (PIB) derivado do melhor letramento da população, como ocorreu em outros países como Cingapura e Coreia do Sul. Além disso, os alunos brasileiros, em comparação aos estudantes dos países da OCDE, mantiveram patamares inferiores de notas no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) de 2018, tanto em matemática quanto em ciências.

Há questões práticas a serem resolvidas nos cursos EAD, como o elevadíssimo número de alunos em comparação ao total de professores e a mediação da aula por tutores mal preparados, além da demora na realização de atividades práticas. Contudo, o que foi apresentado não é apenas uma questão técnica, mas também uma decisão política sobre os rumos a serem seguidos nos próximos anos. Foi concedida uma liberdade ampliada que gerou cursos de qualidade duvidosa; ao mesmo tempo, a concorrência com ênfase no preço torna a qualidade do ensino um fator lateral, o que não é bom.

O fenômeno do ensino a distância à brasileira, além de seu crescimento descontrolado, não tem paralelo e deve ser revisto, conforme sugerido pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Ministério da Educação. Pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Instituto Península identificou que o professor é responsável por 60% da aprendizagem do estudante, sendo mais relevante do que outras variáveis juntas, como internet, biblioteca e escolaridade dos pais. É essencial que a administração pública tenha coragem para fazer os ajustes necessários ao setor de educação superior.

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ASSESSOR JURÍDICO DA ABRUC E DO CRUB

Opinião por Dyogo Patriota

Assessor jurídico da Abruc e do Crub