Fomentar a produtividade e atrair investimentos são os objetivos da reforma tributária sobre o consumo. Após incessantes debates desde 2019, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45 foi aprovada na Câmara dia 7 de julho, com votação expressiva. Cabe ao Senado até amanhã, dia 18/10, aperfeiçoar o texto e limar algumas exceções. Há privilégios questionáveis. O ovo é um deles, como ressaltou a Duquesa de Tax (Maria Carolina Gontijo) em apresentação no Insper.
O Brasil está estagnado há uma década, assim como está a renda do brasileiro. Apesar de a inflação anual estar cedendo, de o PIB de 2023 estar tendo revisões cada vez melhores e de o rating do Brasil ter sido elevado pela Fitch, o IBC-Br (proxy do PIB mensal) entre maio/2023 e maio/2013 decresceu 0,8%; a indústria de transformação em maio/2023 ficou 16% abaixo do valor de maio/2013; e o rendimento médio do trabalhador foi reduzido em dez anos, de R$ 2.904 para R$ 2.901! Não há o que comemorar, mas há o que fazer.
Aprovar reformas estruturantes é o caminho e isso está sendo feito. As PECs 45 e 110 foram apresentadas em 2019 e, em 2020, o Projeto de Lei (PL) n.º 3.887 foi proposto por Jair Bolsonaro.
A PEC 45: 1) unifica a legislação de cinco tributos dos três entes (mais de 5.600 leis!) em apenas uma, com únicos base de cálculo, fato gerador e interpretação legal; 2) preserva o federalismo, com duas governanças: uma da União (Contribuição sobre Bens e Serviços, CBS) e outra dos Estados e municípios (Imposto sobre Bens e Serviços, IBS); 3) finda com a cumulatividade, que majora o preço (caso do ISS); 4) tem base ampla na devolução de créditos (diferentemente do ICMS), desonerando a produção e a exportação; e 5) cobra no destino, acabando com a guerra fiscal. É um regime, assim, que simplifica, desburocratiza, diminui a litigiosidade, sonegação, inadimplência e elisão fiscal, e corrige distorções nas alocações dos recursos, fomentando o investimento e a produção. Mais do que uma reforma, trata-se de uma reconstrução do sistema de tributação sobre bens e serviços, que aumentará a produtividade do País.
As exceções aumentam a complexidade do pagamento do imposto, criam litigiosidade e fazem com que os demais paguem pelos privilégios de poucos. Alíquotas múltiplas causam, portanto, ineficiências e, uma vez postas, são difíceis de serem extintas. A União Europeia é um exemplo. Adotou de três a cinco e não consegue migrar para uma. O texto excetuou os setores da educação e da saúde, mesmo seus beneficiários sendo maiormente ricos, uma vez que os vulneráveis utilizam os serviços públicos. Fica, destarte, um alerta: melhor aprovar um mínimo necessário de exceções a alíquotas reduzidas e depois, se precisar, aumentar.
Foram introduzidas quatro categorias de exceções: o Imposto Seletivo (IS) e os regimes favorecidos, diferenciados e específicos. A cesta do IS terá alíquotas maiores do que a padrão (frear consumo devido a externalidades negativas) e será definida depois, segundo inciso VIII, art. 153. Os regimes favorecidos, com alíquotas menores do que a padrão, não devem sofrer alteração. São o Simples Nacional, a Zona Franca de Manaus e as Áreas de Livre-Comércio, que valem até 2073.
Os regimes diferenciados têm redução na alíquota vis-à-vis à média. É o art. 9.º. Há exceções relacionadas por tipo de atividade e outras por tipo de produto. A redução padrão era de 50%, aumentou para 60%, mas deveria voltar aos 50% e abranger menos itens, até porque há incerteza na redação. Exemplos: nos “produtos de cuidados básicos”, Hipoglós está incluído? Dos “insumos agropecuários”, agrotóxicos fazem parte? O que seria “segurança da informação e segurança cibernética”? E os ovos, competem estar na Constituição?
Constam, também, a cesta básica, o cashback e dois tipos de créditos presumidos. O primeiro tipo refere-se ao adquirente de produtor rural com receita anual menor do que R$ 3,6 milhões. O segundo trata do adquirente de um transportador autônomo. Todos poderão optar pela isenção do IBS e da CBS e ter direito a repassar para o seu comprador o crédito presumido sobre o insumo. Também está contemplada a reciclagem. Neste caso, haverá um crédito presumido sobre o valor dos insumos recuperados, adquiridos de pessoas físicas ou cooperativa de catadores.
Os regimes específicos, por fim, concernem a setores com peculiaridades que dificultam a apuração a partir do confronto de crédito e débito. Não se trata, necessariamente, de diminuição na alíquota. São eles: 1) combustíveis e lubrificantes; 2) serviços financeiros, 3) operações com bens imóveis, 4) planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos; 5) compras públicas por autarquias e fundações públicas; 6) sociedades cooperativas; e 7) serviços de hotelaria, parques, restaurantes e aviação regional. O item 7 não tem natureza técnica e parece ser uma forma de ter um regime favorecido. Justifica-se?
Na exposição de motivos da PEC 45 o relatório Consumption Tax Trends (2020, página 60) menciona as exceções mais usadas nos 174 países que adotam o IVA, seus custos e benefícios. “Não há almoço grátis.” Como haverá neutralidade da carga, isto é, como o valor dos cinco tributos sobre o PIB permanecerá inalterado, quanto mais exceções, maior será a alíquota padrão (incidente sobre os demais bens e serviços não beneficiados) para o resto da população, inclusive para os pobres. Como disse Fernando Haddad, a PEC 45 precisa ser “limada”. A ver.
*
MESTRE E DOUTORA EM ECONOMIA PELA EPGE/FGV, VISITING SCHOLAR EM COLUMBIA, PROFESSORA, CONSULTORA E COLUNISTA DO INSTITUTO MILLENIUN, FOI SECRETÁRIA-AJUNTA DA SEAE/MF, CONSELHEIRA DO CADE E SECRETÁRIA DA ECONOMIA DE GOIÁS