Espaço Aberto

Carlos Rodolfo Schneider

Colunista convidado

Os desafios da indústria caipira

Se quisermos aproveitar ao menos as sobras do processo de redesenho das cadeias mundiais de suprimentos, não devemos demorar a agir

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Por Carlos Rodolfo Schneider
4 min de leitura

É fato que a participação da indústria, e especialmente da indústria de transformação, no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil e no PIB da indústria mundial vem caindo. Outro fato é que temos dado pouca importância ao impacto disso no crescimento e no desenvolvimento do País, apesar das inúmeras evidências que aí estão.

Considerando o PIB brasileiro, a participação da indústria manufatureira, que há poucas décadas ultrapassava os 20%, caiu em 2021 à casa dos 11%. Da mesma forma, a nossa fatia no agregado da indústria de transformação mundial vem caindo há muitos anos. Comparando 2005 a 2020, vimos uma migração da produção dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento, na busca de custos mais baixos e condições mais competitivas. Assim, a participação dos EUA no total da manufatura global passou de 22,4% para 15,9%; a do Japão, de 9,4% para 6,6%; a da Alemanha, de 6,5% para 4,6%; a da Itália, de 3,3% para 1,9%. De outro lado, a Indonésia evoluiu de 1,3% para 1,6%; a Índia, de 1,7% para 3%; e a China, de 13,7% para 31,3%. Mas o Brasil, ao contrário, também recuou, de 2,2% para 1,3%.

Em 2005 tínhamos a 9.ª maior indústria de transformação do mundo. Em 2021, a 15.ª. A Índia, por sua vez, ocupou a quinta posição em 2021. E, se olharmos um pouco mais longe, em 1980 o nosso parque industrial equivalia à soma da capacidade industrial de Tailândia, Malásia, Coreia do Sul e China somadas. O que significa uma pouco desprezível perda de protagonismo no cenário da indústria mundial.

O ranking global de valor adicionado da indústria de transformação – Manufacturing Value Added (MVA) –, publicado pela United Nations Industrial Development Organization (Unido), mostra que a participação da indústria brasileira no PIB em 2021 foi de apenas 10,2%, ante a média de 22,9% do grupo de economias industriais de renda média ao qual pertencemos, e o MVA per capita do Brasil, de US$ 875, representa só 42% do valor do mesmo grupo de países industrializados de renda média. E mais: a participação da média e alta intensidade tecnológica no MVA do Brasil foi de 33,7% em 2021, ante 39,3% no grupo de países de referência acima citado. Resultado, em grande parte, da queda de investimentos na indústria de transformação, cuja participação no investimento total na economia caiu de 28%, em 2008, para 15%, dez anos depois.

Diversas são as evidências de que estamos passando por um processo de desindustrialização. Algo que ocorre nas economias modernas somente quando a população ultrapassa o padrão de renda média e avança na transição de empregos de subsistência e pouco qualificados para outros em setores mais dinâmicos, especialmente no setor de serviços. O que vemos no Brasil é um processo de desindustrialização prematuro e muito mais acentuado. Antes de a indústria brasileira atingir a maturidade tecnológica e antes de o setor concluir um ciclo importante de contribuição ao crescimento da renda dos brasileiros e da economia do País. Saindo de cena antes de terminar o ato. Isso explica muito o avanço de produtos primários na nossa pauta de exportações, cuja participação passou de 17%, em 1990, para 45%, em 2020. E também a crescente dependência de manufaturados importados, que representaram 92% do total importado em 2020. Rafael Lucchesi, diretor da Confederação Nacional da Indústria (CNI), chama essa reprimarização da economia de especialização regressiva, e alerta que isso reduz a complexidade da economia e os avanços na produtividade, gera problemas no balanço de pagamentos e deixa o País dependente dos ciclos de preços internacionais, especialmente das commodities.

O economista Samuel Pessoa chama a atenção para o quanto o nosso sistema tributário penaliza a indústria. O setor paga muito mais impostos do que a agropecuária e os serviços. E Pessoa diz que esse jogo tem de ser equilibrado. Do ICMS arrecadado, por exemplo, a indústria de transformação paga 50% e o agronegócio, 10%. Também o manicômio tributário brasileiro penaliza muito mais a indústria que tem cadeias produtivas longas e, por isso, precisa conviver com diversos regimes tributários especiais. Assunto para a reforma tributária que está no Congresso Nacional.

A indústria pode ajudar muito mais o País. A cada R$ 1,00 que ela produz são gerados R$ 2,43 na economia brasileira, segundo a CNI. É quem mais investe em pesquisa e gera os empregos mais qualificados. Foi a indústria que catapultou a China de economia agrária rudimentar para maior economia do mundo em termos de paridade de poder de compra, em poucas décadas. A indústria de transformação é responsável por 60% das despesas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no mundo e é o setor que tem o maior impacto na produtividade da economia e no desenvolvimento de serviços sofisticados. Segundo o economista Paulo Gala, da FGV-SP, os países são ricos porque têm domínio tecnológico, e nenhuma nação chegou à fronteira tecnológica sem possuir um setor industrial forte. Gala cita Alemanha, Suécia, Coreia do Sul, Suíça, EUA, Finlândia e Dinamarca por sua altíssima produção industrial per capita.

Mas a nossa indústria de transformação precisa ter condições de competir com seus pares internacionais. E o custo Brasil, estimado pela CNI em R$ 1,5 trilhão anual, é uma pedra no caminho. Torna o País pouco competitivo e hostil para quem quer empreender e investir. Certamente, não é por incompetência do empresário brasileiro que a nossa indústria está encolhendo. É pelos entraves que são colocados a ela. Para superá-los, empresários próximos ao poder buscam proteção ou compensação. Empresas pequenas buscam isenções e apoios. Quem está no meio do caminho precisa fazer milagres para sobreviver e crescer. E, se quisermos aproveitar ao menos as sobras do processo de redesenho das cadeias mundiais de suprimentos – os chamados nearshoring, safeshoring, friendshoring ou simplesmente reshoring –, não devemos demorar a agir. Senão, a indústria caipira definitivamente vai ficar para trás e o País também.

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EMPRESÁRIO