Espaço Aberto

José Carlos Abissamra Filho

Colunista convidado

PEC que torna crime porte de drogas carece de novas abordagens

Retomada do obsoleto discurso do ‘rigor penal’ quanto ao tema das drogas não esconde a utilização de método antiquado de populismo

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Por José Carlos Abissamra Filho
2 min de leitura

“A política antidrogas no Brasil deve ser rígida”, afirmou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A reação de parcela do Senado, ecoada pelo seu presidente, na esteira de protagonismo do Supremo Tribunal Federal (STF) diante de décadas de inércia do Congresso Nacional naquilo que diz respeito à necessidade de uma renovada e mais moderna política de drogas impressiona pela carência de novas abordagens e de propostas legislativas minimamente idôneas.

Há 50 anos o Congresso Nacional omite-se quanto ao tema, limitando-se a aderir a políticas internacionais elaboradas à nossa revelia. E hoje, ao deparar-se com a oportunidade de reparar alguns erros históricos e caminhar ao lado do STF, parte do Congresso aceita o convite, entra no debate, mas no sentido oposto, pretendendo levar o Brasil novamente para a década de 1970.

O tema das drogas avançou, apesar de muita resistência, e há mais estudos que podem e devem embasar qualquer projeto legislativo, bastando que se busque acesso a eles ou que se ouça os especialistas no tema.

Apresentar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da forma como estão sugerindo chega a espantar. Espera-se, aliás, que seja simples falta de conhecimento, pois, do contrário, seria má-fé.

As drogas já têm assento constitucional (inciso XLIII do art. 5.º da Constituição de 1988, bem como o art. 243), e a única possibilidade de PEC neste caso seria para declarar referidas disposições inconstitucionais. Afinal, o tema foi inserido no título destinado aos direitos e garantias fundamentais, tópico inapropriado para um mandado de criminalização como o estabelecido pelo nosso legislador constituinte de 1988.

Ou seja, uma PEC para a retirada do tema drogas da Constituição federal seria muito bem-vinda. No entanto, não é isso que os senadores estão propondo. Ao contrário, estão não só propondo a permanência no erro, como o agravamento dele, o que gera certa perplexidade.

O Brasil tem um histórico de carência de projeto idôneo de segurança pública. O pouco que existe e está em vigor vem dos Estados. Não à toa, 71% dos brasileiros se sentem inseguros com o Brasil de hoje, conforme pesquisa mais recente divulgada pelo Instituto Datafolha, que também indicou a segurança pública como o maior problema do País, ao lado da saúde e à frente de outras mazelas igualmente preocupantes, como a educação, o desemprego, a economia e a corrupção.

A retomada do antigo e obsoleto discurso do “rigor penal” no que diz respeito ao tema das drogas não esconde a utilização de método antiquado de populismo, ainda útil de alguma forma – especialmente em termos políticos –, o que não se confunde com elaboração ou proposta de política pública idônea, movimento este que, pela própria natureza dos discursos, impede a elaboração de políticas públicas minimamente consistentes.

Nossa esperança é a de que, apesar de significativa resistência que se avizinha, o STF siga firme, guiando-nos em direção ao futuro.

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ADVOGADO CRIMINAL, DOUTOR E MESTRE PELA PUC-SP, FOI DIRETOR DO INSTITUTO DE DEFESA DO DIREITO DE DEFESA (IDDD) POR QUASE UMA DÉCADA E É AUTOR DE, ENTRE OUTROS, ‘POLÍTICA PÚBLICA CRIMINAL – UM MODELO DE AFERIÇÃO DA IDONEIDADE DA INCIDÊNCIA PENAL E DOS INSTITUTOS JURÍDICOS CRIMINAIS’ (JURUÁ EDITORA)