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Opinião|Por um princípio da cooperação tributária

A relação jurídica entre Fisco e contribuinte já não comporta mais a visão binária que moldou o século passado e precisa evoluir, tornando-se mais fluida, mais integrada

Por Fabio Brun Goldschmidt e Leonardo Aguirra Andrade

A relação jurídica entre Fisco e contribuinte já não comporta mais a visão binária que moldou o século passado e precisa evoluir, tornando-se mais fluida, mais integrada. O antagonismo que marcou a construção das posições de sujeição ativa e passiva deve ceder passo ao influxo de novos valores e exigências que, em prol de uma visão mais moderna de eficiência, cidadania, economicidade e moralidade, elevem a relação jurídico-tributária a um novo patamar.

O aprimoramento dessa relação exige uma mudança de atitude dos seus agentes. A ideia de que o Fisco deveria assumir a atitude de prestador de serviços fiscais e tratar o contribuinte como um consumidor vem ganhando corpo internacionalmente, já que contribui para o aprimoramento da transparência e da conformidade fiscal. A Holanda, por exemplo, instituiu, em 2005, o programa chamado Horizontal Monitoring (monitoramento horizontal), baseado na confiança mútua entre Fisco e contribuinte. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também critica os sistemas tributários que permanecem essencialmente coercitivos. Segundo essa crítica, a construção de uma relação dialética, pautada em benefícios e em confiança mútua, seria o caminho para o desenvolvimento da conscientização fiscal e do aprimoramento da conformidade tributária (voluntária).

O Fisco, como parte diretamente interessada, deveria pautar-se pelo princípio da preservação da empresa. Pela simples razão de que a perpetuidade propicia aumento de suas receitas e beneficia à sociedade como um todo, com a geração de empregos e riqueza. Num mundo pautado pela economia colaborativa, uma atitude orientadora e preventiva de litígios seria extremamente bem-vinda. Muitos erros são cometidos de boa-fé e poderiam ser alertados e evitados.

Idealmente, a Receita poderia auxiliar até mesmo na otimização da carga tributária da empresa, contribuindo para sua melhor eficiência, dentro das alternativas legalmente disponíveis. Afinal, ela conhece profundamente sua vida financeira, contábil e fiscal. Não é inteligente, portanto, que se quede inerte atrás da porta, esperando uma oportunidade de punição.

Do lado do sujeito passivo, o princípio impõe ao contribuinte a colaboração para o bom andamento da arrecadação, mediante adimplência pontual das exações, transparência, agilidade e qualidade na prestação de informações, além de ética e cumprimento adequado de intimações (desde que razoáveis e legais). O diálogo e a troca de informações permanentes entre Fisco e contribuinte devem ser estimulados, de modo a prevenir litígios ou imposição de sanções.

Do ponto de vista legislativo, o Princípio da Cooperação induz à produção de normas que impeçam o sancionamento de irregularidades meramente formais, que não impliquem prejuízo financeiro. Também sugere a criação de sistemáticas de valorização do bom contribuinte (aquele que tem histórico de boa conduta e adimplência), para que tenha tratamento favorecido na redução de penalidades.

No âmbito Executivo, a cooperação exige do Fisco o dever de eliminar a prestação de informações e obrigações acessórias sobrepostas. E, também, a obrigação de afastar a aplicação de penalidades dobradas diante de um único fato, optando por aquela mais específica, com exclusividade, vedada a acumulação. No âmbito Judiciário, a abordagem cooperativa induz ao afastamento de multas sempre que o contribuinte justificar sua conduta em precedente administrativo ou judicial, presumindo-se, assim, razoável a escolha feita.

É neste contexto que propusemos em livro a introdução de um Princípio da Cooperação no Direito Tributário brasileiro, capaz de orientar a produção de normas materiais, processuais e sancionatórias, em todos os níveis, com vistas a conciliar interesses dos envolvidos e propiciar benefícios mútuos derivados da integração cooperativa. Nunca antes a cooperação tinha sido concebida como um princípio constitucional tributário, estando restrita a comandos pontuais em normas esparsas. Como princípio constitucional, contudo, passa a disciplinar todo o sistema, orientando de forma cogente a produção de normas (função normogenética e programática), a hermenêutica administrativa e judicial e a relação entre todos os atores (Fisco, contribuinte, os Três Poderes e mesmo Fiscos entre si), na sua estruturação, funcionamento cotidiano e relacionamento entre si.

A iniciativa – decorrente de projeto de emenda que apresentamos e foi encampada pelos senadores Alan Rick e Efraim Filho – é louvável, porque passará a orientar toda a interpretação e aplicação do Direito Tributário, pelas autoridades administrativas e judiciais, assim como a própria atividade legislativa infraconstitucional que será exercida à luz de uma lógica colaborativa, útil para o crescimento da arrecadação e o desenvolvimento empresarial. Espera-se que a iniciativa traga frutos positivos nos Três Poderes da República, para que nosso sistema jurídico avance rumo a um novo patamar de maturidade e eficiência.

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Opinião por Fabio Brun Goldschmidt e Leonardo Aguirra Andrade